O Presidente da República usou a figura do veto político e devolveu à Assembleia da República o novo regime jurídico do divórcio. Em comunicado divulgado esta terça-feira, Cavaco Silva considera que a nova lei pode levar à “desprotecção do cônjuge que se encontre em situação mais fraca – geralmente a mulher – bem como dos filhos menores”.

É uma das “consequências que, pela sua gravidade, justificam uma nova ponderação” do diploma, aprovado em Abril no Parlamento, com os votos a favor do PS, CDU e BE e contra do CDS/PP e da maior parte dos deputados do PSD.

O novo modelo pretende pôr fim ao divórcio litigioso e à noção de violação culposa dos direitos conjugais, “que tem sido sistematicamente abandonada nos países europeus por ser, em si mesma, fonte de agravamento de conflitos anteriores, com prejuízo para os ex-cônjuges e para os filhos”, lê-se na proposta de lei [DOC].

Na mensagem enviada à Assembleia da República, o Presidente defende que “importa, todavia, não abstrair por completo da consideração da realidade da vida matrimonial no Portugal contemporâneo, onde subsistem múltiplas situações em que um dos cônjuges – em regra, a mulher – se encontra numa posição mais débil”. A lei, acrescenta Cavaco, “por acção ou por omissão”, não deve “agravar essa fragilidade, bem como, por arrastamento, adensar a desprotecção que indirectamente atingirá os filhos menores”.

Lei desprotege a “parte mais fraca”

O Presidente da República dá o exemplo de uma situação de violência doméstica, argumentando que o agressor possa “de forma unilateral e, sem mais, obter o divórcio e, sobretudo, possa daí retirar vantagens aos mais diversos níveis, incluindo patrimonial”. Acrescenta que o alvo de violência perde capacidade negocial, designadamente a alegação da culpa do outro cônjuge ou a recusa do divórcio por mútuo consentimento.

Perante este cenário, Cavaco sugere que, “para não agravar a desprotecção da parte mais fraca, o legislador deveria ponderar em que medida não seria preferível manter-se, ainda que como alternativa residual, o regime do divórcio culposo, a que agora se põe termo de forma absoluta e definitiva”.

Visão “contabilística” do casamento

O Presidente detectou ainda no novo modelo de divórcio um “paradoxo”: o casamento é visto “como espaço de afecto, quando a seu lado se pretende que conviva, através da criação do crédito de compensação, uma visão ‘contabilística’ do matrimónio, em que cada um dos cônjuges é estimulado a manter uma ‘conta corrente’ das suas contribuições para os encargos da vida conjugal e familiar”.

Critica ainda que a se pretenda “impor agora na partilha um regime diferente daquele que foi escolhido por ambos os nubentes no momento do casamento (a saber, o da comunhão geral de bens)”.