Angola vai a votos esta sexta-feira, pela primeira vez em 16 anos. As últimas eleições decorreram em 1992 e deram início a uma nova fase da guerra civil naquele país, que durava desde 1975.

Media portugueses proibidos de cobrir eleições

Cinco órgãos de comunicação social portugueses foram impedidos de entrar no país para cobrir as eleições de amanhã. SIC, “Expresso”, “Visão”, Rádio Renascença e “Público” viram os vistos rejeitados pelas autoridades angolanas. A SIC lamentou a atitude do governo e criticou Luanda por “ainda não conviver de uma forma saudável com a liberdade de imprensa” e patrocinar “decisões que põem em causa a credibilidade do próprio acto eleitoral”.

Na altura, Jonas Savimbi, líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), rejeitou os resultados das eleições presidenciais e legislativas, que davam a vitória ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e ao seu líder José Eduardo dos Santos. Reacendeu-se a guerra civil que causou mais de 500 mil mortos e que só terminou em 2002, após a morte de Savimbi.

Não se prevêem eventos violentos durante o voto de amanhã, no qual estão em disputa os 220 lugares do parlamento angolano. O MPLA controla a legislatura, com 129 assentos contra os 70 da UNITA e tudo indica que o partido no poder manterá a liderança. Em declarações ao JPN, o director do programa de África da organização Chatham House, Alex Vines, afirmou que “o assunto mais importante desta eleição será a dimensão da maioria do MPLA”, uma vez que se conseguir dois terços do parlamento terá mais à vontade para fazer as mudanças que pretende.

“Da mesma forma que na Europa, penso que grandes maiorias não são necessariamente boas. Gostaria que o MPLA não atingisse uma maioria de tal modo maciça que a voz da oposição na assembleia signifique pouco”, explica Vines.

Eduardo dos Santos levanta possibilidade de reforma constitucional

O presidente José Eduardo dos Santos afirmou na quinta-feira que Angola necessita “de uma Constituição moderna para reforçar a democracia e o Estado de direito”, o que levanta a possibilidade de uma reforma do documento constitucional. “É pouco claro o que é que o MPLA pretende modificar, mas querem fazê-lo sem consultar a oposição”, refere Alex Vines, lembrando que é para isso que o partido quer uma maioria de dois terços.

O voto de sexta-feira é o primeiro de três que podem marcar uma mudança naquele que é um dos dois maiores exportadores de petróleo de África, em conjunto com a Nigéria. As eleições mais esperadas são as presidenciais, que estão previstas para o próximo ano. Em 2010 realizar-se-ão as municipais. José Eduardo dos Santos está no poder desde 1979 e espera-se que seja candidato nas presidenciais do ano que vem.

Alex Vines considera que estão a decorrer mudanças em Angola e que “há partes do governo que têm uma visão progressista para o desenvolvimento do país”. Contudo, salienta que o instinto do MPLA é “manter o controlo por um longo período” e tem como objectivo “mudar gradualmente à medida que o país se reconstrói e se torna mais rico”.

Dúvidas lançadas sobre o processo eleitoral

Apesar das impressões positivas manifestadas pelos observadores eleitorais no terreno, a organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) criticou os preparativos para o voto. “Durante a pré-campanha, a HRW registou abusos que incluem intimidação de membros da oposição e da comunicação social, interferências na comissão eleitoral e incidentes violentos contra a oposição”, disse a HRW em comunicado citado pela AFP.

Por seu lado, a instituição londrina Chatham House, num documento [PDF] publicado esta semana, voltava a mostrar preocupação pelo facto de as duas instituições encarregues da monitorização dos votos serem controladas pelo governo.

“A Comissão Nacional de Eleições, cujo papel é o da supervisão independente das eleições, é composta por três membros do MPLA, dois da UNITA e um do terceiro maior partido, o Partido de Renovação Social. Outro dois membros são escolhidos pelo presidente José Eduardo dos Santos, mais dois pelos ministérios de Administração Territorial e da Comunicação Social e, finalmente, um último elemento, que é o presidente, é nomeado pelos tribunais. O potencial para conflito de interesses é claro visto que há uma parcialidade de quem está no poder”, diz o texto.

“Até aqui o processo foi um passo em frente na direcção da democracia”, afirmou à AFP a chefe da missão de observadores da União Europeia, Luisa Morgantini. “Fiquei impressionada pelo facto de todas as partes apelarem a uma campanha eleitoral que fosse tolerante e que todos falassem da liberdade de expressão e do direito à escolha”.