O “Lisboa S.O.S.” é um dos mais movimentados e apelativos blogues da actualidade em Portugal, funcionando como veículo de denúncia de situações de degradação da área urbana em Lisboa. Os seis autores do blogue preferem o anonimato, dando ainda mais destaque às imagens que, diariamente, publicam no espaço, dando a conhecer palcos de pobreza que são recorrentes na capital.

Em entrevista por e-mail ao JPN, dois elementos do blogue explicam que o objectivo é tornar visíveis “coisas que correm menos bem na cidade”, nas quais “já ninguém repara”.

Como e quando é que começou o Lisboa SOS?

Começou em Junho passado. Numa conversa telefónica primeiro, e numa troca de e-mails depois. Tínhamos visto um site inglês chamado “Fix My Street“, onde qualquer pessoa pode publicamente apontar e mostrar aspectos da zona onde vive que precisam de arranjo. Rapidamente percebemos que não conseguíamos montar uma coisa desse género, nem a nossa vocação era exactamente essa. Mas a ideia genérica ficou: tornar publicamente visíveis coisas que correm menos bem na cidade, e que só alguns sabem ou conhecem, ou em que ninguém já repara.

Qualquer pessoa pode participar?

Claro. É por isso que apelamos a que nos enviem fotografias, desejavelmente acompanhadas da indicação do local. O blogue pretende ser absolutamente aberto, ainda que nos reservemos o direito de “editar” as mensagens. A participação do exterior tem vindo a crescer muito significativamente, acompanhando o aumento extraordinário do número de leitores.

Quais os objectivos do blogue?

Fazer com que as pessoas reparem na degradação do espaço público em Lisboa, especialmente em coisas simples nas quais todos nós fomos deixando de reparar aos poucos. Não apontamos culpados, porque as causas das situações são por vezes difíceis de apurar. Também não temos soluções, porque não somos especialistas em gestão urbana. Só queremos que as pessoas reparem bem na cidade onde vivem e que não se deixem habituar ao que é inaceitável. É o primeiro passo para apurar responsabilidades e procurar soluções, mas essa segunda parte já não nos cabe.

Sentem feedback por parte dos munícipes?

Temos 10-15 pessoas que nos mandam fotos regulamente, e outras (mais) que o fazem de maneira mais episódica. Para além disso, só conseguimos medir o feedback pelas visitas ao blogue e pelas menções na comunicação social e nos outros blogues. Visitas são entre 300-400 por dia. Se fossem 30-40 já ficávamos contentes.

E por parte da autarquia?

Algumas – muito poucas – das situações que apontámos tiveram tentativas de resolução, graffiti em particular. Não sabemos se tivemos alguma coisa a ver com isso, mas gostaríamos de pensar que sim. Mas sempre que detectamos algo que sabemos ser da jurisdição da autarquia tentamos mandar para o departamento respectivo e pedimos também aos leitores que o façam.

Já sentiram mais algum impacto prático do vosso trabalho?

O blogue não tem a pretensão de ter efeitos práticos imediatos. Despertar consciências adormecidas ao longo de anos é um trabalho moroso. Mas já sentimos pequenas mudanças. Sobretudo, o facto de o blogue ter milhares de leitores, estar posicionado entre os 150 blogues mais vistos o país em apenas dois meses de vida é um sinal de que atingimos o nosso objectivo, ainda que muito haja ainda a fazer.

Por mostrarem imensos problemas da cidade sem que haja uma discussão em torno deles, não consideram que isso pode não contribuir para a reabilitação do espaço urbano?

Há muitos blogues, com pessoas muito informadas sobre os temas da cidade e os meandros do poder local, que suscitam e desenvolvem discussões sobre temas da cidade. Achamos que isso é muito importante. Mas não vemos isso como a nossa função. A nossa função, mais uma vez, é fazer com que os lisboetas prestem atenção àquilo que os rodeia. Fazer com que não se habituem ao que têm, para que aspirem a mais e melhor e exijam mais de si e dos outros. E fazer também com que conheçam um pouco melhor a cidade onde vivem e as vidas dos outros lisboetas.

Nós próprios, desde que começámos isto, passámos a olhar para a cidade com mais atenção, e já estivemos em zonas da cidade que antes nem sabíamos que existiam. Se o blogue fizer por outros lisboetas aquilo que já fez por nós, seria óptimo.

Os vossos elementos são membros activos de partidos políticos?

Não, mas se o fossem nada os impediria de aqui estarem. O blogue é tão apartidário que até permitiria que membros dos partidos nele participassem. Somos apartidários, mas não anti-partidários. E acreditamos nas instituições, mesmo quando elas nos dão tão poucas razões para essa crença. Sobretudo, acreditamos nos lisboetas.

Acredita que este tipo de blogues em defesa das cidades pode servir como uma participação política alternativa aos partidos?

Num sentido muito genérico, talvez sim. Blogues como estes podem eventualmente ajudar as pessoas a informarem-se melhor, ou até ajudar aqueles que tomam decisões políticas e administrativas a conheceram factos que de outra forma não conheceriam. Mas nada substitui o voto e os partidos. Sem eles não há democracia. Isto é outra coisa.

Têm contacto com blogues de outras cidades?

Não, mas temos recebido muitas mensagens de cidadãos que pretendem realizar algo de semelhante noutras cidades, o que muito nos alegraria.