Viver numa grande cidade como Porto ou Lisboa “influencia a forma como se exercem os direitos e deveres de cidadania”. É uma das conclusões a que investigadores do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa e da Universidade de Cambridge já chegaram no âmbito do projecto “Cidade e Cidadania em Portugal“, iniciado em Fevereiro de 2007 e com fim previsto para 2010.

“Controlando todos os demais atributos sócio-económicos (idade, grau de instrução, rendimento, etc.), o local de residência é, por si só, um preditor do comportamento político. Isto é, as consequências políticas de se viver numa aldeia, num subúrbio ou no centro de Lisboa são muito mais importantes do que se julgava”, refere, por e-mail, Filipe Carreira da Silva, investigador do ICS responsável pelo projecto.

Com o objectivo de compreender melhor “o exercício da cidadania no nosso país, incluindo as normas e práticas de cidadania que tendem a ser menosprezadas”, o projecto estuda, entre outros pontos, a relação dos condomínios fechados na vivência democrática, o aparecimento da chamada Nova Cultura Política, associada aos jovens, e a forma como os autarcas da Área Metropolitana de Lisboa lidam com as novas formas de exercer a cidadania.

“Jovens, urbanos e instruídos”

Coexistem hoje duas normas de cidadania, nota Carreira da Silva: “uma, mais clássica”, “enquanto dever”, que se expressa por instrumentos como o voto; outra, “nascida com o Maio de 68, a luta pelos direitos civis nos EUA e as sociedades de bem-estar do pós-guerra”, enquanto “expressão da autonomia individual”.

A última, que corresponde à Nova Cultura Política, é mais comum entre “os mais jovens, urbanos e instruídos”. “Se quem vota, fá-lo em larga medida porque tem consciência de que é um dever de cidadania, já quem participa em manifestações, assina petições ou escreve em blogues sobre política tende a fazê-lo porque pretende fundamentalmente fazer valer os seus pontos de vista”, esclarece o sociólogo.

“Estes modos de participação são pouco institucionalizados e, portanto, são muito mais atraentes para quem valoriza a sua autonomia. E os jovens portugueses, sobretudo os mais instruídos e urbanos, valorizam-na claramente”, refere. “Valorizam a sua autonomia muito mais, por exemplo, do que os jovens espanhóis, sinal talvez da importância que o 25 de Abril teve na criação do imaginário democrático no nosso país”, acrescenta.

“Quem vive e trabalha em Lisboa é particularmente sensível às novas formas de fazer política”, daí que a área metropolitana da capital tenha sido o alvo de estudo. “Seria naturalmente interessante alargar o estudo desta Nova Cultura Política a outras zonas do país, como a zona do Grande Porto. É bem possível que, numa segunda fase deste projecto, o façamos”, diz.

Com a crise do Estado-nação, incapaz de dar resposta a vários problemas, Filipe Carreira da Silva defende que “escala urbana de governação assume-se cada vez mais como uma séria alternativa à escala nacional da cidadania”.