Richard Zimler é um escritor americano a viver em Portugal desde 1990. Em 2002 obteve a dupla nacionalidade. Nascido em 1956, em Nova Iorque, licenciou-se em religião comparada pela Universidade de Duke e tornou-se mestre em jornalismo pela Universidade de Stanford.

Já fez várias coisas: foi empregado de mesa, estafeta, jornalista e professor de jornalismo comparado na Universidade do Porto. Agora dedica-se, em exclusivo, à escrita.

Autor de diversos romances históricos, entre os quais “O Último Cabalista de Lisboa” (best-seller em 11 países, incluindo os Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Brasil e Portugal), “Meia-Noite ou o Princípio do Mundo”, “Goa ou o Guardião da Aurora” e “À Procura de Sana”, lança-se agora num desafio diferente: um livro de contos.

Em entrevista, fala do Porto, onde vive, do novo livro, da eleição de Barack Obama, da escrita e do jornalismo. E adianta que em 2009 vai lançar um novo livro, com o título provisório “Os Anagramas de Varsóvia”.

Em 2002 obteve a dupla nacionalidade. Sente-se mais português desde então? Ou a nacionalização não teve nenhuma influência nisso?

Tem muita influência sobre mim! Felizmente posso votar em Portugal, posso participar a 100% na sociedade. Sinto-me um ser híbrido: muito americano, muito português, muito cidadão do mundo. Felizmente tenho muitas oportunidades de viajar para promover os meus livros, visitar amigos.

Sou um escritor mais amplo hoje em dia do que há 15 ou 20 anos, sou muito mais internacional, flexível, tolerante. Acho que sou um escritor muito maior, no sentido de ser abrangente, hoje em dia.

Por que é que decidiu vir para Portugal? Porquê Portugal?

Nos anos 80, um dos meus irmãos mais velhos ficou doente com sida. Foi uma sentença de morte. Não é como hoje em dia que temos cocktails de drogas e uma pessoa pode continuar a viver bastante bem durante muitos anos. Ele faleceu em 1989 e eu fiquei muito traumatizado. Quando uma pessoa de só 35 anos morre, questionamos a justiça de Deus e da vida, como é que aquilo pode acontecer.

Nessa altura, já tinha uma relação com um cientista português, o Alexandre Quintanilha, que era professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Depois do meu irmão morrer, eu não (não sei porquê exactamente) consegui continuar a minha vida. E foi o Alexandre que sugeriu que a gente se mudasse para Portugal para começar de novo, para fugir.

Vim para o Porto porque ele tinha recebido um convite para ensinar no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Passámos o meu curriculum a várias pessoas do Porto e consegui um convite da Escola Superior de Jornalismo.

Disse, numa entrevista, que o que mais o choca nos portugueses é serem um bocadinho “distantes”, não revelarem o seu íntimo nas primeiras abordagens. Depois de tantos anos em Portugal, continua com essa ideia?

Continuo, embora hoje em dia eu tenha muitos amigos, grandes amigos portugueses. Mas levou muito tempo. O português fala da política, da economia, da arte, do tempo, fala de tudo menos do que se está a passar no seu interior – doença, divórcio, problemas com os filhos, problemas com os pais, crises, não falam nisso. Falam possivelmente dentro da sua família, mas com uma pessoa de fora da família, por mais amigo que seja, não fala.

Sendo norte-americano, é muito difícil estabelecer uma amizade profunda com uma pessoa só falando de política, arte e tempo. Tenho que falar de mim, das crises pelas quais estou a passar, os problemas da minha família, os problemas da outra pessoa.

E isso consegue-se numa conversa de uns 15 minutos, meia hora com um americano…

É isso.

Ficamos a saber muito…

Se calhar os americanos exageram. Em 15 minutos com um americano podes já estar a falar de doenças, divórcios e ninguém quer falar dessas coisas. Os americanos são mais informais, mais abertos.

Cheguei com a minha maneira americana de pensar e vi-me confrontado todos os dias com outro conceito de amizade. Pensei: “por que é que eles não me convidam? Não gostam de mim? Ou por que é que eles não falam das coisas mais importantes? Ou quando eu falo dessas coisas da minha vida, eles querem manter-me à distância, então não querem ser meus amigos?”. Fiquei completamente desnorteado.

Nunca foi acusado de ser ou de se ter tornado “menos americano” por ter vindo viver para a Europa?

É um facto que sou mais europeu hoje em dia do que há 20 anos atrás, evidentemente. E sou mais cidadão do mundo e menos americano, do ponto de vista daquela imagem estereotipada de americano que não conhece a geografia do mundo ou que não fala outra língua.

Mas não me considero menos americano. Ser americano tem a ver com aspectos mais profundos da tua vida, aliás, devo dizer que ser americano ou ser europeu não são exclusivos. Eu posso ser 100% português e 100% americano.

Do que é que mais gosta em Portugal?

De pequenas cidades, aldeias (por exemplo, as do Alentejo, tudo branquinho e sossegado), pequenas casas com flores, a comida alentejana é excelente. Ah, aquelas paisagens de sobreiros, oliveiras numa planície, muito bonito… Ou o Minho, é muito bonito, as colinas, a praia… Das paisagens, das pequenas vilas, da comida, do vinho, de certos músicos e artistas.

Portugal é um sítio muito calmo, uma espécie de refúgio para mim, um bocado longe das superfícies centrais dos mundos literário, político, económico. É um bocado fora, o que tem desvantagens e vantagens.

E na América, o que é que gosta mais?

Da diversidade. Em Nova Iorque, São Francisco ou Los Angeles posso ter um pequeno-almoço chinês, um almoço mexicano, um jantar tailandês e música peruana à noite. Tem um dinamismo muito maior do que na Europa.

Qual é a maior vantagem de se ter mudado para Portugal?

Estou a duas horas de Paris, Londres, Amesterdão, Roma. Posso aproveitar muito a felicidade geográfica de Portugal na Europa. Já conheço muitos sítios engraçados que não conhecia antes de me mudar para a Europa.

Tem saudades de viver na América? Ou volta com tanta frequência que nem chega a sentir saudade?

Quando a minha mãe estava viva (faleceu em Setembro de 2006), eu estava nos Estados Unidos de dois em dois meses. Mas quase nunca saí de casa dela, porque ela estava doente. Por isso, tenho saudades dos Estados Unidos, sobretudo dos parques nacionais do Oeste. Gostaria de voltar a São Francisco, que é uma cidade linda, gostaria de explorar sítios que não conheço.

Mas hoje em dia já se vê mais diversidade em Portugal…

Claro. Quando eu cheguei, 99% dos que estavam no Porto eram portugueses, não se via faces negras na rua. Comida mexicana? Impossível. Indiana? Nem pensar! Conseguir jornais estrangeiros ou música estrangeira? Impossível no Porto de 1990!

Por vezes, os jovens não compreendem – ainda bem, talvez – o isolamento deste país. Vim cá pela primeira vez em 1980 e Portugal não é o mesmo país.

Vive na zona da Foz, do Porto. Cerca de 20 pessoas deixam o Porto todos os dias. Apesar disto, o Porto consegue ainda manter o encanto?

Essa é uma das tristezas de viver no Porto. Tenho amigos que moram na Júlio Dinis, que, há 25 anos, era uma rua com movimento. Hoje é um deserto total. Tenho a certeza absoluta que o Porto e a área metropolitana fizeram um erro enorme ao criar estes hipermercados e centros comerciais à volta da cidade.

Isso aconteceu nos anos 70 nos Estados Unidos e levou mais 20 anos para dar uma volta àquilo. Se calhar, vai levar mais 20 anos para dar a volta à situação aqui em Portugal.

Aos fins-de-semana, as pessoas fogem da Foz e vão para centros comerciais em Gaia e Matosinhos. É uma tristeza absoluta. Não sei como, mas temos de contratar peritos no desenvolvimento urbano para nos dar soluções para o problema. Senão, o Porto vai morrer.

A cidade ainda tem um encanto, uma vitalidade, um certo dinamismo e temos de encontrar soluções para isto. Vai soar como uma crítica, mas o presidente da câmara não tem soluções para isto. Antes pelo contrário, está a piorar a situação. Espero bem que haja uma mudança.