O projecto de anilhagem de aves no Parque Biológico de Gaia completou dois anos em Outubro. A prática de recolha para identificação e estudo de aves já decorre há vários anos no parque, mas apenas em 2006 é que Rui Brito e António Pereira, ornitólogos responsáveis pelo projecto, deram início a esta actividade de forma regular.

Rui Brito explica que “qualquer projecto de anilhagem, surge muito por parte dos anilhadores”. “Propusemos ao parque começar a anilhar e o parque aceitou”, conta.

Para o desenvolvimento e manutenção do projecto o Parque Biológico de Gaia disponibiliza as instalações da Quinta do Chasco e um orçamento anual de cerca de 10 mil euros, destinados ao investimento em material e divulgação da actividade. Esta iniciativa também aposta na formação de futuros anilhadores.

Todos os primeiros e terceiros sábados de cada mês, Rui Brito e António Pereira, acompanhados por um grupo de estudantes em formação e de interessados em anilhagem de aves, deslocam-se ao Parque Biológico de Gaia para iniciar a actividade.

O processo começa cedo, com a montagem das redes sempre uma hora antes do nascer do sol. No total são quatro as redes espalhadas pelo complexo (os seus nomes: Matos, Amieiras, Ponte de Madeira e Tabua), todas elas baptizadas de acordo com as características do local onde são colocadas. São sempre montadas nos mesmos locais e posicionadas em zonas estratégicos do parque, desta forma torna-se possível a recolha de dados com exactidão sobre as espécies que nidificam no parque.

Os dados sobre as espécies capturadas são depois analisados pela Estação de Esforço Constante, projecto com o principal objectivo de obter informação que possa ajudar a entender e a explicar as alterações nas populações de aves, através de um programa de capturas regulares durante a época de reprodução, em locais e habitats específicos.

A recolha e análise de aves é relativamente simples, mas algo que exige o máximo cuidado. Entre intervalos de uma hora, o grupo desloca-se a cada uma das redes para verificar se alguma ave foi capturada. Se tal acontecer, os animais são retirados com cuidado das redes para evitar qualquer sofrimento.

Segundo António Pereira, as redes são “bastante seguras”, “por vezes as aves ficam com a língua presa e ao tentarem se libertar sofrem ligeiros ferimentos, mas raramente se magoam”. Depois de o pássaro ser retirado da rede, é colocado num saco opaco. Rui Brito diz que “as aves são transportadas em sacos opacos, para elas virem mais calmas e o menos stressadas possíveis”.

Sem dor

Contudo, a recolha e identificação de aves é por vezes criticada pelo público não familiarizado com a actividade. O facto das aves sofrerem durante o processo é uma das acusações comuns. António Pereira explica que as aves não sofrem qualquer tipo de dor enquanto são anilhadas.

O período de tempo entre verificações das redes é ocupado a processar os animais recolhidos. Primeiro procede-se à identificação da espécie e à colocação da anilha. As anilhas têm tamanhos específicos adaptados a cada espécie de ave. Há uma listagem de todas as espécies que podem ser capturadas, e a cada uma corresponde uma anilha específica. Cada anilha tem um código alfanumérico que serve como bilhete de identidade da ave que a recebe, o que permite a posterior identificação do animal no caso de ser recapturado ou encontrado morto.

Quando a ave já se encontra anilhada é feita a recolha dos dados biométricos – peso, sexo, idade, envergadura da asa, comprimento do bico, nível de gordura e tipo de pelagem – e, finalmente, é libertada para o exterior.

“Temos aumentado o conhecimento sobre a avifauna do parque e descoberto algumas histórias engraçadas de aves que, nomeadamente, caiem sempre na mesma rede, à mesma hora, isto ao longo de dois anos”, conta o ornitólogo.

Nos dois anos de existência da actividade já surgiram resultados “muito interessantes”, como a descoberta de espécies que não se sabia que nidificavam no parque e a recolha de dados mais pormenorizados sobre a vida das espécies que habitam no Parque Biológico.

Anilhagem de Aves na Blogosfera

Entre os alunos a receber formação, um dos membros que mais cedo se iniciou no projecto é Pedro Andrade. O aluno de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) conta que tomou conhecimento da anilhagem através de Jorge Gomes, responsável pela divulgação do parque junto dos visitantes. “Vamos tentar receber uma credencial que no futuro nos permita ter a independência para sermos anilhadores”, refere.

Pedro Andrade também é responsável por um blogue onde são colocadas todas as informações recolhidas após as sessões de anilhagem.

Objectivo: “10 anos contínuos de anilhagem”

Em paralelo com a iniciativa, Rui Brito e António Pereira colaboram com outros projectos associados à área. A recolha de carraças das aves que são enviadas para o Instituto Ricardo Jorge, encarregue de estudar as doenças trazidas pelas espécies migratórias e o estudo da história genética do Pisco de Peito Ruivo, que se insere numa colaboração entre vários países europeus, são as principais actividades associadas à anilhagem.

A educação ambiental e sensibilização do público para a causa de preservação e estudo das espécies de aves é também um dos principais objectivos desta actividade. O próximo passo do projecto passa pela elaboração de um relatório com o balanço dos primeiros dois anos.

Rui Brito traça como meta para o projecto o “objectivo máximo” da Estação de Esforço Constante, que passa por ter o maior número de anos possível de anilhagem de forma a perceber as tendências populacionais. “A ideia é pelo menos 10 anos contínuos, para conseguirmos ter mais dados e mais pessoas de forma a criar mais grupos de anilhagem”, afirma.