“Com a Internet, o crítico de cinema tradicional perdeu o estatuto divino. A sua opinião deixou de ser elitista, para ser apenas mais uma entre milhares. O poder passou de quem escreve para quem lê.” Quem o diz é Miguel Reis, criador do blogue “Cinema Notebook”.

Defende que o crítico, elitista e “demasiado conhecedor” para o seu próprio bem, tem os dias contados. Diz que muitos desses críticos se sentem ameaçados. “Não me incluo no grupo, mas consigo apontar imediatamente três ou quatro bloggers cinematográficos que escrevem melhor e com mais paixão sobre cinema do que noventa por cento dos críticos da imprensa escrita”, diz.

A Web fez com que o termo “crítico de cinema” fosse banalizado, pois deu a toda a gente a possibilidade de se expressar. Esta conjugação de condicionalidades parece levantar a questão: estarão os críticos de cinema a desaparecer?

Esta pergunta para Mário Dorminsky tem resposta fácil. O organizador do Fantasporto defende que essa profissão já não existe há muito tempo.

“Muitos dos actuais críticos estão nos jornais em posições de poder que nada têm a ver com a essência do crítico de cinema – passaram a ser jornalistas normais. Por isso é que defendo que o critico deixou de existir. Há apenas pessoas que escrevem sobre cinema”, defende.

Web: inimiga ou aliada?

Com a Internet deu-se uma verdadeira explosão de blogues amadores que se dedicam a crítica cinematográfica.

Para o organizador do “Fantas”, o que acontece é que os “intitulados” críticos não têm as bases teóricas para se lançarem numa análise, nem noção de responsabilidade sobre aquilo que escrevem. “Eu posso olhar para um quadro e dizer gosto ou não gosto. Na Internet aparecem vários blogues e sites que fazem exactamente isso e isso não é benéfico para o público”, refere.

Jorge Mourinha, crítico do jornal “Público”, diz que os críticos não têm que ver a Internet como uma ameaça ao seu trabalho. “Penso que existe espaço para as duas coisas. A ameaça é que os responsáveis dos jornais comecem a olhar para a Internet como um substituto dos críticos, o que pela própria natureza da actividade crítica seria um erro: muito do que se escreve na Internet é um rascunho ou um esboço, enquanto da crítica formal espera-se algo mais ponderado”, defende.

Mourinha não acredita no desaparecimento desta profissão, embora creia que, “claramente, o número dos seus praticantes vá ser reduzido. É uma actividade extremamente desvalorizada porque a maior parte das pessoas acha que ver um filme e emitir uma opinião sobre ele não é ‘trabalho’”.

Medo dos blogues?

Com a utilização da Internet para se fazer critica de cinema, “o background do crítico tradicional deixou de importar para quem lê, pois o profundo conhecimento de base numa determinada área acaba por ser um feitiço que se vira quase sempre contra o feiticeiro: ao usá-lo na sua crítica, o leitor comum não se identifica com o mesmo”, diz Miguel Reis.

Opinião diferente tem Mário Dorminsky, que enumera as características que são indispensáveis a um crítico de cinema: “deve abordar o enquadramento do filme no período em que este é feito, o país de origem, e abordar o filme no seu argumento na ligação deste com várias elementos. Ter uma leitura aberta em relação ao filme e não considerar logo a partida que o filme é mau ou é bom.”

“Em cada dez entrevistas a jornalistas de imprensa, nove criticam a blogosfera. Numa entrevista, José Vieira Mendes, director da Premiere, lançou uma quantidade de farpas aos novos formatos online de cinema e aos blogues de cinema. Há medo da concorrência quando ela nem sequer existe”, lamenta o autor do “Cinema Notebook”.