Em 2002, a Organização Mundial de Saúde apontava Portugal como um “país de risco” no que toca à prática da Mutilação Genital Feminina (MGF), devido à presença de comunidades de imigrantes. Um estudo divulgado ontem, pela Amnistia Internacional Portugal, vem confirmar este cenário tido até agora como provável.

Da autoria de uma investigadora do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), o estudo aponta para “um número significativo de casos de MGF detectados no nosso país”. Conclui ainda que esta prática decorre, sobretudo, no seio da comunidade guineense, reflectindo uma tradição predominante em povos de origem africana e de religião muçulmana (ver caixa).

O que é a Mutilação Genital Feminina?

Prática comum no continente africano e em algumas comunidades de países asiáticos, a Mutilação Genital Feminina (MGF) consiste na excisão do clítoris sem anestesia e com objectos não esterilizados como pedras, facas ou pedaços de vidro. É praticada como um ritual simbólico da passagem de menina a mulher, visando assegurar a pureza da mulher e a fidelidade ao marido. A consequência mais directa é a eliminação do prazer sexual, podendo resultar em infecções ou mesmo na morte da mulher. Apesar de já existir legislação que proíbe a MGF em muitos países africanos, A tradição tende a impor-se. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que entre 110 e 140 milhões de mulheres já tenham sido submetidas a este processo e que três milhões estejam em risco de o ser. A Amnistia Internacional apela, por isso, à aposta na “educação e na sensibilização dos excisidores e na fiscalização garantida pelos Governos desses países”.

Em declarações ao JPN, Pedro Krupenski, Director Executivo da Amnistia Internacional Portugal, realça que o número de casos registados “ainda não é preocupante em termos de quantidade”. O responsável alerta, contudo, para o facto de apenas estarem contabilizados “os casos em que a intervenção da MGF tivesse tido complicações tais que justificasse uma ida ao hospital”.

Na verdade, o estudo baseia-se em “inquéritos realizados aos próprios hospitais”. “Única forma”, segundo Pedro Krupenski, de “obter dados mais quantitativos” sobre uma prática que, por ser censurada pela lei portuguesa e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, permanece “escondida” no seio das comunidades.

Informar para prevenir

Apresentado em Lisboa, na esfera das comemorações do Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina (assinalado a 6 de Fevereiro), o estudo alerta ainda para “a falta de informação e preparação” dos médicos e enfermeiros portugueses para lidar com vítimas de MGF. “Não só a nível técnico – no tratamento a complicações posteriores à intervenção –, como a nível de apoio moral”, adverte Pedro Krupenski.

O Director Executivo da Amnistia Internacional Portugal destaca, no entanto, a “crescente preocupação do Governo português em prevenir esta prática”. Prova disso é a criação do primeiro programa de acção contra a MGF, lançado na passada sexta-feira.

Já no ano passado, aquando da revisão do Código Penal, se dera um passo importante neste sentido, ao “aproximar a MGF do conceito de crime segundo a lei”. A meta da Amnistia é conduzir à “tipificação clara, individualizada, da MGF como crime”, remata Pedro Krupenski.