“A eutanásia não é um assunto que perturbe a sociedade portuguesa” no imediato. A opinião é partilhada por Daniel Serrão, professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, e pelo oncologista Ferraz Gonçalves, numa altura em que o Partido Socialista (PS) se prepara para levar o tema da eutanásia a agenda pública.

Assumido opositor à legalização da eutanásia, Daniel Serrão defende que aquela prática é “inaceitável”, “não pode ser sequer admitida” e que não é necessário discutir a questão publicamente. Apesar disso, mostra-se disponível para “explicar ao público o que está em causa”.

Eluana “não foi um caso de eutanásia”

A questão da eutanásia volta à ordem do dia numa altura em que se debate a história de Eluana, italiana que esteve 17 anos em coma e que faleceu três dias depois de lhe ser retirada a alimentação e a hidratação. De acordo com Daniel Serrão não se tratou de um caso de eutanásia, uma vez que a doente “não pediu para ser morta”. O especialista em Bioética reforça a posição com a “definição legal para a Eutanásia” que “é a morte de uma pessoa a seu pedido por outra pessoa a quem ela apresentou o pedido”. Uma definição partilhada por Ferraz Gonçalves, para quem o caso de Eluana foi uma “suspensão de tratamento fútil” num caso que “não era de doença terminal”.

Palavras que vão de encontro à posição assumida por Pedro Nunes, Bastonário da Ordem dos Médicos, que considerou a legalização da eutanásia como um “risco social e um grande retrocesso civilizacional” que levaria a um “desinvestimento na área da saúde”.

“Não é necessário referendar a Eutanásia nesta altura”, defende, por sua vez, Ferraz Gonçalves, médico e autor de um estudo que, em 2007, concluiu que 39% dos médicos oncologistas portugueses defendem a legalização desta prática. O investigador faz uma comparação com a questão do aborto, a qual teve outro impacto na sociedade.

Aposta nos cuidados paliativos

Confrontado pelo JPN com as conclusões do estudo de Ferraz Gonçalves, Daniel Serrão afirma que aquele “não permite, de forma nenhuma, conhecer a opinião dos médicos portugueses” e que os jornalistas não deram atenção ao facto de a maioria dos médicos inquiridos defender a melhoria dos cuidados paliativos.

Ferraz Gonçalves preferiu não responder às críticas, mas também salientou a importância dos cuidados paliativos na mudança de opiniões dos médicos e dos doentes em fase terminal. “São uma maneira mais positiva de resolver os problemas”, disse ao JPN.

Segundo a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP), existem actualmente 11 unidades desses cuidados em Portugal. Número que os dois médicos consideram “insuficiente” para melhorar as condições de vida dos doentes. Daniel Serrão avança mesmo que é necessário “cobrir o país de cuidados paliativos” e que estes deveriam ser um “direito constituicional”.

A “batalha mais bonita” deveria passar por “conseguir melhores cuidados paliativos”, destaca o antigo professor da Faculdade de Medicina. Uma posição partilhada por Isabel Galriça Neto, Presidente da APCP, para quem o fundamental é “ discutir o problema do sofrimento dos doentes melhorando os cuidados paliativos”.

O Partido Socialista vai discutir no congresso de 27 de Fevereiro a 1 de Março em Espinho, uma moção sobre a legalização da eutanásia da autoria de Marques Sá. Actualmente, a prática da eutanásia só está legalizada na Holanda e, parcialmente, na Bélgica.