O estudo sobre Mutilação Genital Feminina (MGF) em Portugal apresentado pela Amnistia Internacional no passado dia 6 de Fevereiro alerta, não só para a existência de “um número significativo de casos de MGF no nosso país”, como também para a “falta de preparação” e conhecimento dos médicos e enfermeiros portugueses no que toca a esta prática.

O aviso já havia sido feito em 2003 num estudo-piloto de Yasmin Gonçalves, psicóloga e voluntária da Associação para o Planeamento da Família (APF). Na verdade, a investigação apresentada pela Amnistia vem “desenvolver” a pesquisa da APF, diz Carla Moleiro, orientadora do estudo, que foi realizado por Sandra Piedade, mestranda do ISCTE.

Entre as principais conclusões do estudo destaca-se o facto de apenas 13% dos profissionais de saúde ter conhecimento da realização da MGF em Portugal. De resto, os resultados não sofreram grandes alterações em relação a 2003. “Uma percentagem entre 13% e 20% dos profissionais de saúde” contactou com um caso de MGF, situando-se nos 17% os números do estudo da APF. A fracção de médicos e enfermeiros que afirma saber reconhecer uma situação de MGF aumentou cerca de 10% (de 44% para 53,8 %). Ou seja, “ainda há cerca de 46% que não sabe”, salienta Carla Moleiro.

Os números reflectem a carência de preparação dos técnicos de saúde para lidar com esta prática. “Apenas 12% dos inquiridos teve alguma formação em MGF”, refere Carla Moleiro. E “não há diferenças entre médicos e enfermeiros”, sublinha. Esta formação é “normalmente” adquirida por iniciativa própria e “pontual”, já que toma a forma de “workshops ou conferências”.

Intervir contra a MGF

O primeiro programa de acção contra a MGF integra o III Plano Nacional para a Cidadania e Igualdade de Género. Dinamizado pela APF, e sob a tutela da Secretária de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, a iniciativa visa “promover a intervenção contra a prática da MGF” através da “sensibilização, prevenção, formação, integração, investigação, educação e apoio”, diz Nuno Gradim, jurista da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG). Intervir “nas comunidades imigrantes” onde se pratica a MGF e “preencher as lacunas” dos médicos e enfermeiros “no conhecimento e identificação desta realidade” são algumas das metas propostas por um programa que envolve ainda entidades como o Alto Comissariado para a Emigração e Diálogo Intercultural (ACIDI) ou a ONG guineense Uallado Folai.

Ainda assim, os médicos e enfermeiros inquiridos são favoráveis à implementação de formação específica nesta área e “concordam que têm um papel importante a desempenhar no combate à MGF”, como conclui também o estudo da APF.

Falta de adesão

Apesar da necessidade de formação e sensibilização dos profissionais de saúde ser apoiada pela maioria dos inquiridos, é de assinalar “a pouca adesão dos técnicos de saúde para participar no estudo”. “Tivemos uma taxa de resposta inferior a 10% dos questionários enviados”, lamenta Carla Moleiro.

Os médicos e enfermeiros que não participaram “podem achar que este tema não é minimamente importante ou que não têm nada a ver com ele”, justifica a orientadora. O que constitui uma barreira para minimizar as consequências físicas e psicológicas das vítimas de MGF que vivem em Portugal, admite.

Para Carla Moleiro, a falta de adesão pode ter várias interpretações: a MGF “é ainda um tema relativamente tabu, um tema que as pessoas acham que é dos outros, de outras comunidades, ou de pouca importância”. A criação do primeiro programa de acção contra a MGF (ver caixa) representa um passo em frente no sentido de abrir este assunto à sociedade, considera Carla Moleiro. Mas ainda é preciso dar mais atenção “às condições de saúde dos imigrantes”, remata.