Ponto prévio. O homem que em tempos liderou os Ornatos Violeta desapareceu. Ou melhor, confessa-se “outro”. Envelheceu (ainda que só tenha 34 anos), assumiu os erros e ganhou respeito à morte que gosta de ilustrar nas caveiras que povoam o universo onde se procura. Como testamento, não vá o diabo tecê-las, decidiu reunir a família, amigos e músicos em torno do seu mais recente projecto, “Foge, Foge, Bandido”. Mas nem tudo mudou. Manel Cruz continua a querer ser apenas e só… “fixe”.

Recentemente regressaste ao panorama musical português, desta feita a solo. Como surgiu este projecto (“Foge, Foge, Bandido”)?

A cena foi acontecendo, ou seja, não foi um daqueles projectos de banda; não partiu de uma ideia de fazer um disco. Surgiu de comprar o meu primeiro computador, da primeira placa de som, começar a usar o computador como gravador de pistas! Ou seja, poder importar para lá as minhas ideias e não estar dependente de outras pessoas. Então foi um bocado começar com essas experiências, começar a gravar coisas e depois de ter um volume de coisas já a crescer, comecei a aperceber-me que tinha ali uma espécie de um universo, que era o universo caseiro de estar a gravar coisas. E aí comecei a pensar nisso, de compilar isto tudo.

Neste projecto contas com várias colaborações, incluindo Adão Cruz. Como é que é trabalhar com o teu pai?

Foi fixe. Eu tinha a ideia de pôr um texto dele em cima de uma música só que não sabia onde é que era e o Bandido também não tinha muitas preocupações de coerência, ou seja, dentro de uma música às vezes há textos que dizem respeito a ideias diferentes, e não há essa preocupação de sair uma narrativa até ao fim da música, então foi um bocado proporcionar o acaso. Ele disse quinze poemas, eu estava a gravar enquanto ele estava a dizer, escolhi um deles, um que até achava que tinha alguma coisa, ou seja, “entrava” bem na música e como aquilo é um discurso livre, o ritmo acaba por encaixar muito facilmente. Depois ele tem aquela já voz meio “abagaçada”! É fixe.

Por outro lado, trabalhaste com músicos que têm sonoridades completamente diferentes…

Acho que isso é uma das coisas mais ricas disto. Para mim também, lidar com o processo mental das pessoas a gravar, pois as pessoas são muito diferentes. Não é um trabalho que se vem a elaborar, não. São coisas muito espontâneas, é uma linguagem muito mais imediata e muito mais pessoal. E é muito engraçado ver esse processo mental das pessoas, de desinibição! Por outro lado, as pessoas não desenvolviam uma ideia, gravavam dez, vinte coisas diferentes, para eu tirar um bocadinho desta e um bocadinho daquela. Ou seja, no fundo era um processo muito livre e acho que essa diversidade musical das pessoas todas tornou isto muito rico porque são misturas de estados de espírito muito diferentes, gravados em momentos diferentes, mas que depois ficam num momento só.

Sobre o teu projecto, alguém dizia “Os temas das músicas e das imagens são os do costume: o amor e o sexo, a vida e a morte, a família e os amigos, e o tema transversal é o «erro»”. Porquê estes temas e não outros?

O tema transversal é o “erro”? Isso é engraçado, eu identifico-me.

E porque é que são estes temas e não outros temas quaisquer?

Pois! Eu acho que esses temas estão sempre na origem de tudo para mim, quer a morte, o sexo, o amor. Claro que na vida e a morte já encerra montes de coisas. Mas acho que a ideia da morte está antes de tudo. Ou seja, a partir do momento em que nos apercebemos que vamos sair daqui e não sabemos para onde, tudo muda na vida. É nesse sentido que eu acho que, seja qual for o pensamento que eu tenha, vai estar condicionado por isso. Já que não há nada a fazer, ao menos brinca-se um bocado com isso. Se calhar é um instinto de adaptação, sei lá. Ou aquela expectativa de que chegues a velho e estejas mais em paz contigo, de modo a aceitares melhor isso.

São temas muito fortes. Achas que só faz sentido falar sobre isto?

Não, acho que é muito salutar a trivialidade, até porque está tudo ligado. Por exemplo, os receios mais pequeninos, os prazeres mais pequeninos também são espelho de coisas muito maiores. E até por uma questão de saúde mental também convém a gente suavizar as coisas, não é? Às vezes ao fazer isso, enfrentámos os medos e as coisas e não quer dizer que nos rendamos a eles.