“Quando o Fernando Gomes era presidente da Câmara do Porto mandei uma carta para que fizessem aqui uma “casota”, um quiosque. Era melhor para nós e para os clientes,” mas a resposta ao pedido de José Oliveira foi negativa. E os engraxadores continuam figuras de rua, debaixo de sol ou de chuva, sem um sindicato, sem reivindicar direitos e condições de trabalho.

Em 2007, avançou-se com um projecto de revitalização da profissão. Lançada durante o I Encontro Nacional de Engraxadores, a iniciativa propunha-se a criar um quiosque interactivo de engraxadores do século XXI. Aí, o cliente poderia obter informações turísticas, ler a imprensa ou consultar a internet enquanto engraxava os sapatos.

António Silva e José Oliveira gostavam de um quiosque assim e gostavam que a “rapaziada nova” não teimasse em usar sapatilhas. Mas a extinção do ofício parece eminente, e José Oliveira relembra os muitos ardinas que desapareceram. “Até lhes fizeram uma estátua, qualquer dia o que vai restar de nós também é uma estátua”, suspira.

A voz fraqueja-lhes e perguntam-se: “quem precisa de um engraxador?” Já se anunciam aparelhos automáticos, que engraxam rápida e eficazmente. Antes, os grandes senhores gostavam de andar polidos e precisavam de alguém que não se importasse de sujar as mãos para lhes dar brilho e alento na caminhada. Antes, estes quatro engraxadores tinham uma pequena fila de sapatos para engraxar. Agora, “alguns têm vergonha de vir aqui, ao velho António.”

Já engraxaram os sapatos do Luís Filipe Menezes ou de Manuel Monteiro, e também já engraxaram a “caloteiros”: “Engraxava a qualquer um, alguns nem pagavam. Apanhavam os sapatos engraxados e dinheiro? Punham-se a andar. E eu não ia correr atrás deles, para quê? Não tinham dinheiro, como é que iam pagar? Iam presos? Oh! Lá os deixava ir…” Sorriu António Silva, ao mesmo tempo que pega num saco de plástico e guardou um dos pares de sapatos secos na sebe.

Por agora, os engraxadores resistem, são postais para os turistas que lhes pedem fotografias, guardam histórias, olham as pessoas e adivinham-lhes o que lhes vai na alma. Por gosto ou necessidade trabalharam “sempre aqui na cidade do Porto”, e dizem conhecer o suficiente do mundo. E conhecem. Escurece, a rua à noite não lhes pertence. Acomodam com vagar as ferramentas na caixa, enquanto se despedem com o olhar. Fitam os próprios pés, e os sapatos mal engraxados. Resistem e dizem-se, orgulhosos, os últimos engraxadores de sapatos.