Aos 70 anos, Alexandre Alves da Costa ainda encara a arquitectura como um “prazer”. Crítico face à ideia de pólos universitários longe do centro das cidades, o arquitecto e professor catedrático da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP) acredita que os estudantes não devem viver em “ghetos“. Numa entrevista ao JPN, inserida no ciclo “UP sob investigação”, Alves da Costa confessa ainda a vontade de reabilitar o “tecido urbano” da parte histórica da Invicta.

JPN: Com uma carreira tão valorizada a nível académico e enquanto arquitecto, o que é que ainda o move?

AAC: Move-me o que sempre me moveu. Eu acho que não há nenhuma carreira que esteja encerrada. Há sempre uma certa insatisfação e uma vontade de continuar a aprofundar as coisas. Move-me o mesmo empenho e o mesmo interesse, seja no ensino, na divulgação ou na produção de arquitectura. É uma coisa que sempre me deu prazer e não vejo razão nenhuma para que esse interesse seja neste momento desmerecido, pelo contrário.

Como é que vê a relação do espaço da Universidade do Porto com a cidade?

Já foi melhor. Acho que esta ideia de retirar grande parte dos edifícios universitários do centro da cidade e de os colocar em pólos universitários é um terrível erro que está mais que ultrapassado. Com uma cidade abandonada, com imensos edifícios vazios podendo ser reutilizados para outras coisas, faz-me muita impressão que as faculdades tendam a sair do centro da cidade e a abandonar a vida urbana.

Em que é que se traduz esse fenómeno?

A vida de estudante no Porto passava-se muito menos em cantinas universitárias do que nos próprios cafés da cidade. E isso era simultaneamente muito rico para a cidade e para os estudantes, porque tinham um contacto real com o mundo, que não é um gheto onde os estudantes vivem. A ideia das cidades universitárias, muito inglesa, é lamentável. O edifício central da UP, que sempre foi a Faculdade de Ciências, neste momento é a reitoria, eventualmente museu… O que vale é que os estudantes são persistentes e ainda insistem em tomar café no Piolho. Eu tinha muito receio que a cidade ficasse esvaziada de estudantes. A abertura da universidade ao exterior no sentido não só físico mas também intelectual e de transmissão do conhecimento parece-me ser essencial. Senão a universidade vive isolada e não tem qualquer sentido no mundo moderno.

Considera que a aposta nos novos talentos deve ser uma prioridade para a UP?

Evidentemente, a universidade tem que estimular o aprofundamento da investigação e da produção do conhecimento. E isso passa pelo empenho que as diversas escolas sejam capazes de incutir nos estudantes, no sentido de os estimular para fazerem. Cada vez mais, a aprendizagem e a investigação não se processam apenas nos anos em que se frequenta uma escola, tem que se prolongar pela vida toda. E a universidade tem aí uma função muito importante de estímulo, para que esses estudantes se empenhem e se envolvam numa actividade de continuação da produção de conhecimento.

Perfil

Alexandre Alves da Costa nasceu no Porto, em 1939. Foi na Escola Superior de Belas Artes do Porto que se licenciou em Arquitectura, no ano de 1966. Docente na FAUP desde 1972, Alves da Costa é hoje Professor Catedrático no Porto e também na Universidade de Coimbra. Recentemente, o arquitecto idealizou a reabilitação do Teatro Constantino Nery, em Matosinhos.

No caso da FAUP, acha que existe uma preocupação na divulgação do que é produzido dentro da faculdade para o público externo?

Acho que há pouca. Existe uma preocupação, o que não acho é que haja uma produção tão clara no sentido dessa comunicação. As universidades têm poucos meios e os professores neste momento são poucos, têm muito trabalho e muita actividade académica interna. E essa participação em plataformas de divulgação do conhecimento é cada vez mais importante. Produz-se muito mais do que aquilo que se sabe. E em certo sentido, a própria universidade ganharia com essa divulgação: prestígio e integração na sociedade. Penso que estamos muito aquém daquilo que deveria ser essa transmissão de conhecimentos.

Como vê o actual panorama da arquitectura em Portugal?

Com preocupação. O Estado investe pouco e a própria actividade privada na construção civil tende a ter um certo refluxo. Portanto, neste momento, há muito poucas oportunidades de trabalho. É no serviço público que a arquitectura melhor mostra as suas capacidades de serviços na sociedade. Vejo com alguma preocupação esta espécie de estagnação da produção arquitectónica em resultado do abaixamento do enriquecimento. Em certo sentido, penso que a arquitectura precisava de encontrar um caminho mais claro de compreensão da sua função como serviço social, de apoio às comunidades e ao desenvolvimento, e menos como uma actividade isolada de artistas que falam uns para os outros. É um momento complicado: por um lado, pouca produção, por outro lado uma produção um bocadinho elitista, feito por dentro e para dentro, para olhar para si próprio.

Que ponto escolheria no Porto para intervir?

Escolheria a observação, o tratamento e a regeneração do tecido urbano da cidade histórica, que está neste momento numa crise absoluta de perda de identidade e de afastamento da população para os subúrbios. Claro que o subúrbio é um desafio extremamente importante: a cidade não pode crescer como uma mancha de óleo desordenada. Diria que os meus encantos seriam trabalhar simultânea e paradoxalmente em duas situações opostas. Por um lado, o centro da cidade, no sentido da sua revitalização, reordenamento, recuperação e modernização – questão em que nos empenhámos na Porto 2001. Por outro, o subúrbio: impedir que a cidade cresça infinita e desordenadamente e que sejam criados novos centros que estabeleçam um equilíbrio.

Quais são os desafios que a UP, enquanto instituição inserida na cidade do Porto, tem pela frente?

O principal desafio é o financiamento. Neste momento não tenho dúvidas nenhumas que as universidades vivem um terrível problema de financiamento, que conduz a algo trágico que é tentarem arranjar dinheiro por outros processos. E esses outros processos, muitas vezes, infiltram na própria universidade os mecenas que lhes fornecem capacidades financeiras. Resolver o problema do financiamento da universidade sem pôr em causa a sua autonomia científica é um desafio importantíssimo. E a universidade, neste momento, não pode estar na cauda das empresas: tem que manter uma certa capacidade de, autonomamente, continuar a produzir conhecimento sem estar envolvida em processos de circunstância. A universidade pública tem que se modernizar permanentemente para se manter entre as universidades sustentáveis. Esta relação entre financiamento, autonomia científica e capacidade de actualização e modernização é quase uma questão de sobrevivência.