Há trinta anos, Luís Filipe Barros iniciava um programa que ficaria bem presente na memória de muitos portugueses:era o “Rock em Stock”. A revolução na forma de fazer rádio e a transmissão de uma música jovem, fresca e sobretudo, “barulhenta”, prendeu os ouvintes ao programa das tardes da Rádio Comercial.
A assinalar as três décadas sonre o nascimento do “Rock em Stock”, o “Berros”recorda ao JPN os momentos-chave dessa esperiência “gritante” ao microfone.

JPN: O “Rock em Stock” divulgava o que de mais recente existia a nível internacional, mas também passou muito rock português. Foi isso que distinguiu o programa??

LFB: Eu fiz a primeira experiência com o Rui Veloso e os UHF. Um ano depois de termos começado, e as pessoas começarem a notar na música no programa, começaram a aparecer mais bandas entusiasmadas, ao ver que estávamos a apoiar essas duas bandas e os resultados tinham sido bons. Depois começaram a mandar maquetes e mais maquetes. Ao principio, tínhamos tudo sob controlo. Mas depois começaram a aparecer muitas bandas. Depois também apareceu o Júlio Isidro também na onda média a passar as bandas que a gente não queria, mas indicava: “é melhor ir falar com o Júlio”. Ele tinha um programa na altura, que tinha muito mais força que nós, que era o “Passeio dos Alegres”, ao domingo. As bandas que eram rejeitadas no “Rock em Stock” iam ter com ele

É verdade que muitas bandas, quando lançavam um novo disco ou single, colocavam um autocolante a dizer que tinham estado no “top” do “Rock em Stock”?

Pois, isso começou com os estrangeiros principalmente. Deve ter passado também com as portuguesas.Com as bandas estrangeiras, as editoras das lojas de discos punham o sticker na altura a dizer primeiro lugar no Rock em Stock. A venda estava garantida.

Era algo com muito impacto…

Não havia mercado em Portugal. Primeiro, não havia programas dirigidos a jovens. Apareceu o “Rock em Stock” nessa altura. De repente, as pessoas passaram a tomar conhecimento com as bandas lá de fora. Começou a haver um negócio, uma nova indústria em Portugal. Com o “Rock em Stock”, aumentou-se a venda de aparelhos FM e gira-discos. Depois vieram os jornais de música. E começaram os concertos. Notava-se que havia um público para tudo isto. E tudo foi iniciado por nós, sem pensarmos nisso. Então começaram a vir bandas a Portugal.

Perfil

Luís Filipe Barros é considerado um ícone da rádio dos anos 80, sendo qeu o seu percurso profissionai vai muito para além do “Rock em Stock”. Após o primeiro final do programa, em 1982, fez durante um ano o “Café com Leite”, também na Rádio Comercial. Em 1984, abraça o “Ondas Luisianas”. O ano de 1987 seria o do renascimento do “Rock em Stock”, programa que lidera até 1993, data em que a Rádio Comercial foi vendida. Depois de uma passagem pela Antena 3, é nomeado director-adjunto de programas da RDP, mas em 1995, volta a assumir o microfone para fazer “O Sol da meia noite”, já na Antena 1. Em 2004, LFB reassume o comando do “Ondas Luisianas“, programa repleto de pop, rock dos anos 80, e que “tem captado um público fiel na internet”, diz o radialista.

Então o que levou o Luís a terminar com o programa em 1982?

Eram muitas pressões, que era uma coisa que não estávamos habituados. Depois apareciam-me quinhentas bandas a pedir para passar a música. E dessas, só gostava de uma. As editoras, ao verem que o programa tinha sucesso, queriam que a sua música passasse. Essa foi uma das razões para eu terminar com o programa em 1982. A pressão era tanta, tanta, tanta, que eu disse “esperem aí que eu já vou tratar do vosso assunto”: Acaba-se com o programa.

Então o que o Luís fez depois desta primeira paragem do programa Rock em Stock

Estive durante um ano no programa de rádio matinal “Café Com Leite”, também na Rádio Comercial. Depois voltei com uma hora à tarde, com outro programa que era as “Ondas Luisianas”, com música rock. Depois da meia noite até à uma, era as “Ondas Luisianas” versão da noite, com música electro pop, com os Depeche Mode , os The Cure – que tinham abandonado aquela fase mais gótica -, o Bryan Adams, o Bruce Springsteen que na altura (1984) apareceu com o “Born in USA”, os U2, etc. Depois juntei as duas horas à noite, e fundi o hard-rock com a electro pop.

E havia muita diferença relativamente ao “Rock em Stock”?

Eu acho que era a evolução na altura. O Rock em Stock já tinha ficado para trás. A New Wave já tinha acabado praticamente, por volta de 1982, 1983.

E depois, quando surgiu então a oportunidade de voltar ao programa “Rock em Stock”?

Quando começa a rebentar nos EUA, o Glam Rock em 1987. Dos Gun´s Roses até aos Nirvana. Foi aí que eu apostei na música mais dura. Se as pessoas julgavam que o regresso do “Rock em Stock” seria à base dos êxitos mais antigos, ou à procura desses êxitos para continuar no programa… Não, surpreendi as pessoas e dei um passo em frente para a música mais dura. Qual era a rádio que passava às quatro da tarde Anthrax, Metallica ou Guns´s Roses? Não havia programa da tarde em Portugal, ou no mundo que passasse esse tipo de música. Foi um risco que corri, mas foi uma aposta ganha. Fui buscar uma nova adolescência ao programa na altura. [risos]

Porquê a escolha de um ritmo frenético para a apresentação do programa , que lhe valeu o apelido de “Berros”?

Eu fui muito influenciado pela rádio inglesa na altura. Quando era adolescente ouvia a rádio Caroline. Foi a primeira estação pirata que houve no mundo e que transmitia a música que a BBC não transmitia, que era a única estação que havia em Inglaterra. Era uma estação que era feita num barco com uns disc-jockeys, uns locutores que falavam muito depressa a imitar os americanos. E eu ouvia essa estação em Portugal no rádio a pilhas.A forma como eles falavam influenciou-me bastante.

O programa tinha um alinhamento fixo com orientações específicas?

Nenhum. Por exemplo, a gente hoje vê que a banda tal é conhecida através deste single e do outro. E em Portugal, as pessoas só conheciam outras músicas que eram as músicas que e passava. Porque eu escolhia. Eu nunca seguia as orientações das editoras. Por isso é que passava várias músicas de bandas que são só conhecidas em Portugal, enquanto o êxito dessa banda lá fora, em França, Inglaterra, Holanda, Suíça ou EUA, foi outra música. Depois, eu era capaz de tocar a mesma música quatro vezes numa hora. Porque era o prazer que eu tinha. Eu estava-me borrifando para que as pessoas dissessem que eu estava a apertar com aquela música e a tentar influenciar. Não, eu fazia o programa para mim. Se pensasse que havia gente do outro lado a ouvir o programa, eu acho que não era capaz de fazer metade do que fiz.

Então dominava o desconhecido para o ouvinte, quando começava o programa?

Bem, eu começava o programa com a música da semana, escolhida por mim. Depois dali para a frente, era como nas discotecas. Eu não tinha uma pré-lista. Levava cerca de 60 álbuns e tocava na altura o que me dava na cabeça.

Em todos esses anos de “Rock em Stock”, o Luís deve ter certamente histórias engraçadas para partilhar…

Sim.Lembro-me de ter recusado dar uma entrevista aos Supertramp. Porque eles não queriam dar entrevistas a ninguém em Portugal a não ser ao programa. De maneira que eu não quis dar a entrevista em solidariedade com os jornalistas portugueses. É chato. Eles eram também percursores do nosso trabalho [risos].

Qual o balanço que faz dos 30 anos deste programa?

Nestes trinta anos, pareço um Paul McCartney, quando falam dos Beatles de há 40 ou 50 anos, com as devidas distâncias, claro [risos]. Mas é agradável saber que fizemos um programa que valeu a pena e que ficou na memória de muita gente.