O mirandês conquistou oficialmente os direitos linguísticos há dez anos, através da publicação, no Diário da República, da Lei 7/99. No ano em que a “lhéngua” falada nos concelhos de Miranda do Douro e Vimioso comemora uma década de existência, António Bárbolo Alves, investigador e escritor de mirandês, fala de uma evolução “claramente positiva.”

“Há factores para a preservação das línguas como a existência de um reconhecimento político e a existência de uma norma escrita que foram conseguidos pelo mirandês e só isso é extremamente positivo”, afirma o investigador. No entanto, António Bárbolo Alves considera que há aspectos para a vitalidade da língua que só podem ser avaliados a médio e longo prazo.

Amadeu Ferreira, presidente da Associação de Língua Mirandesa, afirma ao JPN que a evolução do mirandês revela sinais contraditórios. “Do ponto de vista sociológico, o facto de ter sido aprovada uma lei do mirandês veio fazer com que as pessoas voltassem a ter orgulho na sua língua”, explica o investigador. Além disso, “foram feitas várias teses de doutoramento não só em Portugal como no estrangeiro”, completa.

Mirandês: de “vergonha” a “orgulho”

“No fundo fomos educados a ter um pouco de vergonha do mirandês, sobretudo quando saíamos para estudar fora de Miranda. Se dizíamos alguma palavra em mirandês éramos vistos como os parolos que não sabiam falar”, confessa José Meirinhos, membro do antigo Centro de Estudos Mirandeses da FLUP. “Sobretudo com o 25 de Abril e com uma outra atenção às culturas populares começa a aparecer um novo interesse (…), as pessoas começaram a perceber que falavam uma língua e que tinham um folclore estranho e a partir daí começam a ganhar um novo orgulho na sua própria cultura popular”, remata.

A “regressão da fala” é um dos aspectos que Amadeu Ferreira aponta como negativo no balanço dos dez anos de mirandês. “Penso que mais recentemente a juventude tem vindo a obter avanços a esse nível, mas não me parece que sejam suficientes”, acrescenta.

De “dialecto” a “segunda língua oficial portuguesa”

“No imaginário há uma hierarquia entre língua e dialecto, na qual o dialecto é menor do que a língua”, explica António Bárbolo Alves. A lei do mirandês “trouxe o reconhecimento político do idioma”, acrescenta.

José Meirinhos, membro do antigo Centro de Estudos Mirandeses da FLUP, considera que a Lei 7/99 é “erradamente descrita como a lei que tornou o mirandês a segunda língua oficial de Portugal”. “É um exagero. O que essa lei reconhece são os direitos linguísticos dos mirandeses, reconhece o direito de se dirigirem à administração pública escrevendo em mirandês, fazendo requerimentos em mirandês”, esclarece o docente.

Aproveitando a forte tradição oral da língua mirandesa, António Bárbolo Alves apela aos mirandeses, fazendo uso da “lhéngua”, que continuem a falar mirandês e que continuem a lutar como fizeram durante dez anos.