Designer, tecnólogo, matemático, artista, “arquitecto de informação”, geek, “cartógrafo da arte” ou apenas – como o próprio se define – um “funcionalista perturbado pela estética”. Em conversa com Manuel Lima, não é difícil imaginar títulos e desencantar definições. A última tem a chancela da“Creativity”, prestigiada revista de design, publicidade e entretenimento que elegeu o português de 30 anos como uma das 50 mentes mais criativas para 2009,
lado a lado com nomes como o fundador da Amazon, o estratega de Obama, os co-fundadores da Google e outros que “impuseram uma marca significativa na consciência criativa”.

Nascido nos Açores, Manuel Lima trabalha actualmente na Nokia em Londres e desenvolve o site Visual Complexity, projecto inovador onde se empenha na reinvenção e recolha de representações visuais de realidades como uma rede de transportes ou uma rede social. Por exemplo: em 2007, desenvolveu um mapa de Portugal recorrendo apenas a quadrados e rectângulos.

JPN: Comecemos por traçar o mapa biográfico do Manuel. Nasceu nos Açores e vive agora em Londres. Pelo caminho passou por Lisboa, Copenhaga, Nova Iorque e Londres…

ML: Assim muito rápido: aos 18 anos saí de Ponta Delgada e fui estudar para Lisboa, tirei a licenciatura em Arquitectura do Design na Universidade Técnica, depois, no final da licenciatura, fui para Copenhaga onde fiz um estágio académico de seis meses na empresa Kontrapunkt e aí conheci algumas pessoas que tinham amigos na Parsons School for Design em Nova Iorque, voltei para Lisboa e continuei a trabalhar, a por o meu currículo e o meu portfolio em ordem e candidatei-me ao programa de mestrado da Parsons. Consegui entrar, tive a felicidade de ter bolsas de estudo da Gulbenkian, da Fundação Luso-Americana e da própria Parsons. Fiquei lá três anos ao todo e depois vou para Londres e estou cá quase há três anos.

Como é que alguém que tem formação nas Belas-Artes, se foi interessar pela visualização de redes?

Uma das razões que me fascina na área da visualização de informação, e em particular das redes, é ser uma disciplina em que a arte e a ciência estão lado a lado. Há uma expressão fenomenal de um designer holandês que diz “sou um funcionalista perturbado pela estética” e sinto-me nessa divisão. Sempre fui altamente pragmático e o design tem que servir uma função, tem que resolver problemas. Sempre me segui por essa abordagem funcionalista no que diz respeito ao design. No fundo, sou um designer mas não me interesso muito por design, interesso-me por inúmeras outras áreas e isso reflecte-se no site que tem projectos de arte, sistemas de transporte, biologia, genética, evolução. Uma das coisas que me fascina nas redes complexas é tudo estar interligado, desde as células do nosso cérebro, as moléculas do nosso organismo, as redes de transportes altamente interligadas, nós próprios estamos interligados em vastas redes sociais. Ou seja, é um fenómeno comum, uma estrutura omnipresente e é isso que mais me fascina.

Acho que é justo dizer que adora mapas. De onde é que vem o fascínio?

Acho que os mapas são fenomenais no sentido em que conseguem incorporar uma vasta informação num espaço restrito e, para além dessa enorme capacidade de compactação, os mapas são ou tentam ser uma língua universal. Um bom mapa é aquele que não está restrito a qualquer língua, salve legendas e algumas especificidades do mapa. Os mapas têm essa capacidade de transcender culturas. As pessoas dizem que a música é uma língua transcultural, acho que os mapas têm também essa particularidade.

O “Visual Complexity” nasce quando estudava na Parsons. Surgiu como hobby, projecto académico, como prolongamento lógico desse interesse que já tinha pelos mapas?

O interesse nos mapas é bastante recente. O meu interesse inicial foi a visualização de informação e depois comecei a ver que a origem dessas novas disciplinas era a cartografia e comecei a apaixonar-me pela arte antiga de criar mapas e pela parte mais arcaica da visualização de informação. A compilação de projectos “Visual Complexity” surgiu enquanto estava a fazer a minha tese e, no fundo, estava a tentar compreender através da minha tese a visualização de informação na blogosfera. Sou só eu que trabalho no site, mas a maioria dos projectos não sou eu que os faço. O objectivo do site é estabelecer paralelos e comparações entre diversos métodos de visualização diferentes. É uma enciclopédia, uma compilação, de diversos projectos na área. E começam a surgir padrões interessantes através dessas comparações, como visualizar semelhanças entre o método de visualização de uma rede na área da genética de uma rede de transportes, etc. Esses paralelos é que são interessantes de analisar porque esta é uma área muito recente e falta alguma teoria, alguma estandardização no próprio processo e o “Visual Complexity” começa a transmitir esse ordenamento.

O que é que surge primeiro num bom mapa: o sentido estético ou a eficácia informativa?

Eu penso que será sempre a eficácia informativa, mesmo no que diz respeito à visualização de informação. Alguns exemplos que tenho no “Visual Complexity” extravasam um pouco a funcionalidade informativa e surgem quase como arte. Não é um aspecto que deve ser exaltado. É interessante quando aparece, mas como consequência. Não deve ser o objectivo principal de um mapa, porque se for, se calhar não é um mapa mas uma peça de arte, com todo o mérito, mas não entra no aspecto pragmático.

Pragmatismo que presumo que tenha de ter enquanto senior user experience designer da Nokia. Em que é que consiste o seu trabalho exactamente?

É uma disciplina relativamente nova e que surgiu para fazer face à complexidade crescente a nível da engenharia de muitos produtos, principalmente novas tecnologias. No fundo sou responsável por delinear uma série de comportamentos do próprio sistema com os quais o utilizador final pode interagir. Os telemóveis são o exemplo mais pragmático desse tipo de intervenção a nível de interaction design, mas a própria máquina de Multibanco é um outro caso. Ou seja, qualquer máquina que exija alguma interacção com o utilizador. E é, em parte, a função do interaction designer minimizar esse processo, torná-lo mais prático, mais útil, mais simples, minimizar a carga cognitiva do utilizador final. Mais especificamente, agora faço parte de uma equipa responsável pela delineação pela nova estratégia da Nokia a nível da própria estratégia e concepção de novos serviços da empresa. Produzir exclusivamente telemóveis já não será um aspecto competitivo nos próximos anos, a nova tendência será a criação de serviços úteis ao utilizador final.

Foi essa “consciência criativa” que o levou a ser eleito pela “Creativity”? Como é que se acorda no dia seguinte a ser considerado uma das mentes mais criativas para 2009?

Com um grande sorriso na cara (risos). Claro que foi uma nomeação que me deixou muito satisfeito e com um sentimento de responsabilidade acrescido. Acho sinceramente que a nomeação foi mais por influência a nível de alteração de mentalidades a que o próprio “Visual Complexity” poderá conduzir. Afinal, é através do site que muitas vezes as pessoas se apercebem que a visualização de informação vai muito para além do gráfico circular e de barras, e que o mundo está cada vez mais interligado por fenómenos de interligação global . É sempre difícil definir a nossa reacção, mas é uma grande satisfação e um grande sentimento de responsabilidade para fazer melhor ainda.