Detido no início do mês de Abril, Jorge Carvalho foi o último preso político a ser libertado da PIDE/DGS no Porto. O “Pisco”, como era conhecido no meio contestatário, teria que esperar pela tarde de 26 de Abril de 1974 para ser “um homem livre”. “A 24 de Abril já os sentia a queimar papéis”, lembra. Da cela onde se encontrava, Jorge “Pisco” conseguiu ouvir gritos de “Morte à PIDE e a quem a apoiar!”, pelo que percebeu que “alguma coisa se passava”.

Como os guardas prisionais não lhe contavam o que sucedia, Jorge Carvalho gritava por ajuda às pessoas que passavam na rua, do lado de fora da “janela com grades miudinhas”. Na tarde de 26, “a porta da cela abriu-se” e “Pisco” deparou-se com um militar que, mais tarde, o ajudou a sair da PIDE/DGS.

Trinta e cinco anos após o fim da ditadura, Francisco Cachapuz junta-se a Jorge Carvalho no exercício de memória que os leva aos meses que passaram presos por não pactuarem com a ideologia do Estado Novo.

Do edifício que hoje alberga o Museu Militar do Porto, Francisco Cachapuz recorda o “ar sinistro”. Em visita às antigas instalações da polícia política do regime ditatorial, o professor catedrático da Universidade de Aveiro recorda como foi preso “ainda no hospital”.

Depois de um acidente de viação que envolveu o carro em que transportava “propaganda clandestina do Partido Comunista Português”, o na altura estudante de 25 anos foi sujeito a interrogatórios “que se prolongaram por um mês inteiro”.

Francisco Cachapuz confessa que, ao fim de três dias de “estátua”, contra a parede, “as pernas inchavam, os pés não cabiam nos sapatos” e começava a ter “alucinações”. “Não dormia há três dias e comecei a ver animais a subir pelas paredes”, conta.

A brutalidade dos “pides”

Enquanto partilham histórias de “interrogatórios intermináveis” e torturas, os antigos presos políticos têm presentes os nomes e as caras dos agentes da PIDE responsáveis pelo sofrimento.

“Devo conhecer quase todos os ‘pides'”, conta Francisco Cachapuz. A localização do quarto em que estava preso, em frente ao portão de entrada, e “um risco no vidro fosco da janela” permitiam ao docente ver “todo o movimento de entrada e de saída”, o que era “muito importante”. “E muitos dos agentes que entravam iam vestidos de capa e batina”, confidencia.

Francisco Cachapuz explica que, a partir dos anos 60, os métodos de actuação da polícia do Estado “passaram a ser mais sofisticados, muito por culpa da pressão internacional”. A acrescentar à violência física, “os agentes eram incumbidos de um processo de degradação individual”, através de humilhação e do tratamento por “tu”, conta ao JPN.

Jorge Carvalho e Francisco Cachapuz ainda hoje vêm os agentes da PIDE que os maltrataram. “Reúnem-se todos, ao domingo, numa praça da cidade”, revela Cachapuz.