Graças a ideias como o Project Guttenberg, tem proliferado a distribuição de obras em domínio público pela Internet. O LibriVox é um serviço que tenta incorporar nesta tendência outra componente – os audiobooks, livros recitados em ficheiros áudio.

A ideia partiu de Hugh McGuire, um escritor canadiano de Montreal que, inspirado “pelo Free Software Movement e pelo Open Source”, decidiu aplicar a ideia de “reunir voluntários à volta do mundo para trabalhar num projecto específico”, não a nível de software para audiobooks, mas sim no que toca aos conteúdos.

Em pesquisas pela Internet, McGuire notou que “não havia muita oferta” de audiobooks gratuitos e, assim, decidiu “lançar a LibriVox para ajudar a criar um arquivo áudio de todos os livros em domínio público do mundo”, explica o próprio ao JPN.

O conceito é simples: um voluntário escolhe um livro “publicado e que esteja sob domínio público nos EUA” e apresenta nos fóruns do site a sua proposta; em resposta, outros utilizadores vão oferecer ajuda. Todos irão participar na sonorização da obra por completo.

Apesar de ser possível declamar uma obra inteira a solo, o mais comum na LibriVox é optar-se por colaborações, com cada membro a ler um ou dois capítulos do livro escolhido. Com obras mais longas, o trabalho começa assim a envolver grandes quantidades de pessoas, muitas vezes de variados países, todos sob a tutela da pessoa que sugeriu a obra, que assume, assim, uma função de coordenador geral.

Quando completo, o audiobook, sonorizado pelas diferentes vozes dos colaboradores, fica disponível para download gratuito.

A selecção é ecléctica e a adesão impressionante. Acedendo aos fóruns, encontram-se romances, contos, artigos jornalísticos, peças e poesia; autores tão díspares como Dostoiévski, Victor Hugo, Mark Twain e Winston Churchill. Entre os projectos completos contam-se até os “Sermões” do Padre António Vieira, prova de uma certa presença portuguesa num site que, de momento, conta com quase 15 mil membros registados.

Adeptos da LibriVox

Curiosamente, a forma como os adeptos da Librivox chegam pela primeira vez ao site encontra semelhanças com o processo que levou McGuire a fundar o projecto. “Descobri por acaso ao andar na ‘net’. Lembrei-me de tentar fazer download de um audiobook, mas como não tinha certeza se ia gostar, fiz pesquisa sobre audiobooks grátis. Entrei na página da LibriVox, achei a ideia interessante e comecei a participar”, explica Ana Sofia, conhecida como DarkAngel na LibriVox.

Também Joana Cardoso, estudante de arquitectura na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), foi atraída à iniciativa pela “sede” de audiobooks. “Fazendo, [durante grande] parte do meu curso, muito trabalho de maqueta e de acabamento de desenhos, sempre gostei de estar a ouvir audiobooks enquanto fazia esse género de tarefas que não exigem uma concentração total”, diz Joana, conhecida como Miss Scarlett quando sonoriza.

A organização da LibriVox parece ser um factor de atracção maior. Joana realça a “vasta biblioteca” do site, enquanto que Ana Sofia afirma ter-se deliciado com o facto de estar “tudo tão bem estruturado!”

“Gostei da ideia de participar num projecto com membros de vários países, em que existia um produto final, concreto. Se era para passar um tempo na ‘net’, porque não fazer alguma coisa produtiva?”, questiona a entusiasta. Também a forte presença do inglês é um factor positivo, visto que dá a “oportunidade de melhorar a fluência em inglês falado”, explica Ana Sofia.

Um livro a várias vozes

Para o visitante casual, o aspecto da LibriVox que poderá causar mais confusão será talvez o facto de cada obra ser lida por várias vozes. Para Ana Sofia, este é um factor irrelevante:

“Para mim, como voz, as diferenças encontradas no todo não me interessavam, sendo que essas diferenças eram até enaltecidas por membros do fórum, como fazendo parte da singularidade dos audiobooks da LibriVox.”

Já Joana admite que “há casos em que todo o livro é lido pelo mesmo leitor”, o que torna tudo “mais agradável”. A estudante nota, no entanto, que “há poucas pessoas a desejar ler um livro inteiro”. Além disso, sempre “é preferível estar a ouvir audiobooks da LibriVox a estar em silêncio”.

É também esta atitude pragmática que o criador do site, Hugh McGuire, defende: “A pergunta que me coloco não é se uma gravação da LibriVox é a melhor coisa possível no universo, mas sim se o universo fica mais rico ou mais pobre com as gravações da LibriVox disponíveis grátis”.