O futebol há muito que deixou de ser um desporto só de homens. O sexo feminino passou das bancadas para as quatro linhas. As equipas do Boavista e do Grupo Desportivo Incansáveis são disso exemplo.

A jogar na 1ª divisão e finalista da Taça de Portugal, a equipa de Futebol Feminino do Boavista continua a ser uma referência no panorama nacional da modalidade. E, no Boavista, o destaque vai para Maria João Neves, a directora e treinadora que durante seis anos lutou pelo renascimento da “pantera negra”.

“Este ano já vivemos uma dificuldade preocupante. Se não tivéssemos arranjado um patrocinador, o futebol feminino do Boavista provavelmente teria desistido a meio do campeonato”, confidencia Maria João Neves. Desde as despesas com as deslocações da equipa, aluguer do campo, inscrição e alimentação de atletas, as exigências financeiras tornam-se insuportáveis.

Maria João Neves vê nesse patrocinador o alicerce que justifica as conquistas que o clube tem vindo a alcançar ao longo do ano. “O Boavista atravessa uma crise financeira muito grande. Se não tivéssemos arranjado patrocinador para este ano, nós não estaríamos no campeonato nem na final da taça”, afirma a treinadora.

“Treinamos por amor à camisola”

As exigências em relação ao futebol masculino são as mesmas, as regras são iguais, mas as dificuldades ultrapassam qualquer tentativa de comparação. “As principais dificuldades estão relacionadas com as condições de trabalho, especialmente porque lidamos com atletas amadoras. Não temos condições de trabalho normais para uma competição na 1ª divisão”, evidencia Maria João Neves.

Um desporto em evolução

Após o Campeonato do do Mundo de 1966, os olhos dos amadores viraram-se para as equipas femininas e a Football Association acabou por criar um ramo feminino no futebol. Hoje, países como a Itália, EUA ou Japão jogam em ligas profissionais. Em Portugal, são 28 as equipas que actuam nas duas divisões nacionais existentes. Ao nível das selecções, Portugal obteve, este ano, a melhor prestação de sempre no Mundialito Feminino de Futebol, disputado em Lagos”.

Não são remuneradas, os apoios tornam-se escassos, mas a vontade de vencer na modalidade é idêntica à dos homens. No entanto, o futuro do Boavista é incerto e Maria João Neves teme o fim do futebol feminino no clube. “Não vejo um futuro muito risonho. Já estou num ponto de saturação muito grande e, ou sou ambiciosa e melhoro as coisas de forma a atingir objectivos, ou então deixarei o futebol feminino. Portanto duvido muito que o futebol feminino consiga continuar no clube”, confessa.

“Carolice e força de vontade”: ingredientes para uma mulher jogar futebol

“Não ganhamos nada, não há apoios. Jogamos futebol por carolice e força de vontade”. Para Sandra Silva, capitã do Boavista e atleta do clube há 14 anos, o futebol feminino continua a lutar pela sobrevivência. “Não é fácil manter uma equipa. Seria importante ter o apoio da federação e das próprias associações e isso ainda está muito aquém. Então os clubes vivem ou sobrevivem com aquilo que conseguem”, confidencia a atleta.

A “quilómetros de distância” do futebol praticado por mulheres em alguns países europeus, Sandra Silva teme que os clubes acabem por fechar as portas.

Aposta na formação

Despertar o interesse das jovens para a prática de futebol, disponibilizar condições seguras para jogar, desenvolver a cooperação entre as jovens ou formar jogadoras que possam ingressar na equipa sénior. Foi com estes objectivos que Maria João Neves criou a escola de formação de futebol feminino.

Depois de cinco anos de sucesso, a escola acabou por não reunir as condições necessárias para abrir. “Este ano ficou complicado porque não temos sítio para treinar, o aluguer dos campos é muito caro, e é sempre complicado pedir aos pais para deixarem que as atletas venham treinar, sobretudo no inverno”, justifica Maria João Neves.

Apesar das dificuldades que o futebol feminino enfrenta em Portugal, e no Boavista em particular, continuam a ser atletas como Maria João Neves ou Sandra Silva os alicerces de uma modalidade que luta pela “sobrevivência”.