“A situação dos cuidados paliativos em Portugal está a melhorar muito, mas ainda está longe de ser perfeita.” O alerta é dado pelo médico e especialista em bioética, Daniel Serrão, na véspera da abertura do Congresso Internacional de Cuidados Paliativos Pediátricos, organizado pelo Instituto de Bioética da Universidade Católica.

“Falta-nos formação, quer para os médicos, quer para enfermeiros, quer para outros trabalhadores sociais para poderem integrar as equipas de cuidados paliativos, falta-nos instituições espalhadas pelo país e falta também o cuidado paliativo domiciliário que é muito importante”, explica Daniel Serrão.

Congresso Internacional de Cuidados Paliativos Pediátricos arranca esta terça-feira

De 5 a 8 de Maio, o Instituto de Bioética da Universidade Católica organiza o Congresso Internacional de Cuidados Paliativos Pediátricos: Realidades e Desafios. Filipe Almeida está na lista dos oradores e afirma ao JPN que o objectivo é trazer “especialistas que vivem já nos seus países esta assistência paliativa no mundo da criança para reflectirmos o que temos, o que não temos e o que poderíamos ter.” A Ministra da Saúde, Ana Jorge, é presença garantida na sessão de abertura do congresso.

Filipe Almeida, pediatra no Hospital São João (HSJ) defende que “os cuidados paliativos não são exclusivamente para quem está às portas da morte, mas também para quem está sob a ameaça de uma doença.” Assim, estes doentes precisam, nas palavras do pediatra, “de uma atenção que toca os domínios da relação humana mais do que os domínios da evolução tecnológica.”

“É necessária uma resposta que contrarie um pouco aquilo que, nos últimos anos, foi a orientação da medicina, muito marcada pela necessidade de grandes vitórias médicas e tecnológicas e que abdicou um pouco da sua doação perante os doentes que saíam desta perspectiva”, defende Filipe Almeida ao JPN. Uma ideia partilhada Daniel Serrão, para quem a resposta às necessidades psíquicas e sociais dos doentes implica “encarar o cuidado paliativo como um direito presente na Constituição.”

“Onde não há cuidados paliativos há mais pedidos de eutanásia”

De acordo com Filipe Almeida, “a eutanásia resulta muitas vezes da falta de uma solução técnica para a qual a resposta é nada.” “Se nós conseguirmos contrapor a uma ausência de resposta técnica uma solução humana, esgota-se a necessidade de um pedido de eutanásia”, acrescenta.

A solução humana de que fala o pediatra do HSJ exige uma formação específica dos profissionais de saúde. A mesma ideia defende Daniel Serrão: “os alunos de medicina, os alunos das escolas superiores de enfermagem têm de aprender, em primeiro lugar, a aceitar a sua própria morte e, depois, têm de fazer a experiência de ver morrer os outros porque, sem essa experiência radical, tudo o resto é teoria.”

Perante a inexistência de uma rede de cuidados paliativos a nível nacional, Rui Nunes, presidente da Associação Portuguesa de Bioética, afirma ao JPN que “parte deste problema seria ultrapassado se reforçássemos a capacidade de autodeterminação dos doentes.” Tal como o JPN já tinha noticiado, a Associação Portuguesa de Bioética propôs a aprovação do “testamento vital”, através do qual os cidadãos poderiam deixar instruções sobre o tratamento que desejariam receber em caso de incapacidade mental.

Rui Nunes vai ser ouvido esta terça-feira na Comissão de Saúde da Assembleia da República no âmbito desta proposta de legalização do “testamento vital”. Filipe Almeida considera que o conceito associado ao testamento não é novo. “Para mim o testamento vital pode levantar grandes dificuldades do ponto de vista da medicina se eu não for capaz de perceber se um testamento feito há dois ou há dez anos não tem actualidade, podendo estar a vincular uma decisão que poderia não ser a desejada pelo doente”, esclarece.