Professor Catedrático na Faculdade de Medicina da UP, médico e director do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto, Sobrinho Simões é um dos grandes nomes da investigação científica em Portugal. O estudo de alguns tipos de cancro é uma das prioridades do vencedor do Prémio Pessoa 2002 que, apesar do sucesso internacional do Instituto, dá mais importância à parte pedagógica e vê-se, em primeiro lugar, como um professor. Sobrinho Simões considera que a divulgação da ciência é uma “obrigação”, até porque “os ganhos sociais de uma actividade e atitude científica são brutais”.

No ano em que o IPATIMUP comemora o 20º aniversário, como explica o prestígio internacional alcançado?

MSS: Esse é o aspecto positivo, a gente ter tido algum sucesso. Depois há outro aspecto positivo que é termos criado uma instituição, o que em Portugal não é muito frequente. E não escondo que, à medida que a gente vai avançando, eu tenho sempre aquele medo da sustentabilidade. Fico muito preocupado porque, apesar de termos 20 anos de história, não temos a certeza de termos a manutenção assegurada. Apesar de não ser um português “choramingão” – tenho algum pessimismo na análise mas optimismo na acção -, não consigo compreender como, ao fim de 20 anos, não temos ainda um suporte institucional que nos garanta o futuro.

O que pode ser feito para criar esse tal suporte institucional?

A primeira coisa é esta discussão de integração do instituto na Fundação da Universidade do Porto. E depois a UP tem que ter investigação e pós-graduação, o que só é possível incorporando no tecido da universidade as faculdades com os institutos de investigação. Estou convencido que essa integração vai dar alguma estabilidade a estas instituições. A alternativa seria começar a fazer muita prestação de serviços, e eu não acho que seja uma solução boa. Não nos podemos transformar em laboratórios de prestação de serviços porque estes não fazem investigação e pós-graduação. É claro que se pode conciliar, mas até a um certo ponto, senão transformamo-nos num laboratório de análises.

Se tivesse que escolher entre ensinar ou investigar, qual preferiria?

Sem dúvida nenhuma que escolheria dar aulas. Para um professor, seja universitário ou da escola primária, o grande gozo é pensar que está a ajudar outra pessoa a ser melhor profissional, a aprender. Eu punha em primeiro lugar estar numa sala de aula, depois estar ao microscópio para fazer um bom diagnóstico, e só em terceiro lugar seria publicar um paper. Mas, em termos internacionais, é ao contrário, e essa é a injustiça da organização social. O ensino é considerado uma arte menor.

A transmissão do conhecimento é, então, uma prioridade?

É um dever. E a pessoa que sabe alguma coisa e que não tem gosto em ensinar é socialmente mutilada. Nós não valorizamos o conhecimento real mas sim o tipo que papagueia coisas que parecem ser muito profundas. Temos muita retórica mas uma distanciação muito grande da prática.

Perfil

Manuel Coimbra Sobrinho Simões nasceu no Porto, em 1947. Licenciado em Medicina pela FMUP e especializado em Anatomia Patológica, Sobrinho Simões fez o pós-doutoramento em Oslo, onde viveu com a família. Actualmente é Professor Catedrático de Anatomia Patológica na FMUP e chefe de serviço no Hospital de S. João. Dirige o IPATIMUP desde a sua criação, em 1989.O Prémio Pessoa 2002 trouxe a este cientista atípico e ao Instituto que dirige a visibilidade nacional que faltava.

Isso é algo que pode acontecer a um cientista ou investigador, distanciar-se da prática?

Não muito, porque o cientista tem uma avaliação externa permanente. Essa é a grande vantagem da ciência e a razão por que se desenvolveu tanto em Portugal. Na ciência, ou é internacional ou não existe. Só quando a investigação portuguesa passa para um plano internacional é que passa a ser reconhecida e citada pelos pares. A repercussão social e científica do que fazemos passou a ser uma medição mais exacta, objectiva e recompensadora do que publicar em revistas com muito impacto.

A divulgação científica é uma das preocupações do Instituto?

É, e não é por bondade nossa, mas sim por obrigação social. Principalmente por estarmos inseridos numa Universidade e por recebermos dinheiros públicos. Nós gastamos quase 15% do nosso orçamento em divulgação, porque achamos que num país como o nosso a maneira como a ciência é vista pela população pode-nos ajudar. Se houver discussão sobre o nosso futuro, a população terá tendência a achar que nós somos importantes. Os ganhos sociais de uma actividade e atitude científica são brutais.

Existe a noção do impacto que a divulgação da ciência feita pelo IPATIMUP tem?

Não existe muito. Nós não temos, em Portugal, a tradição de medir os outputs. E quando medimos, medimos se os miúdos decoraram ou não o que a gente disse. A saúde, a justiça e a educação são bens imateriais que não são fáceis de medir em termos de comparação.

Qual é a próxima meta do Instituto?

É a articulação dos três institutos no I3S, com dois aspectos: um aspecto funcional, que é o mais importante, e a questão do edifício e dos laboratórios. As novas gerações deverão pertencer ao I3S e já não ao IPATIMUP, IBMC ou INEB. A minha segunda meta é valorizar a componente científica no Hospital de São João e no IPO, incorporando mais a nossa investigação.

E quais os desafios da UP?

A Universidade tem que apostar a 100% na reorganização das suas actividades, de maneira a responder a dois tipos de audiências: aos alunos normais, miúdos, e aos profissionais que se vêm reciclar. Quando passarmos a ter enfermeiros ou médicos que já estiveram em hospitais, que têm problemas em laboratórios ou com os doentes, há uma coisa muito engraçada que é o regresso à noção de que ensinar tem uma componente muito grande de aprender.