O músico esteve no lançamento do festival “World Piece Peace One” e, em entrevista ao JPN, falou sobre as causas sociais que tem abraçado e sobre a missa que está a organizar para Novembro, na Igreja de São Francisco, no Porto.

A irreverência do maestro Vitorino d’Almeida contagiou o lançamento do festival “World Piece Peace One” que decorreu, no passado fim-de-semana, em Lisboa. Em entrevista ao JPN, o bom humor do maestro é o elemento chave para pôr de lado as pautas e falar de assuntos delicados na conjuntura actual, como os problemas ambientais e o terrorismo. O maestro revela ainda os contornos do seu projecto mais recente, uma missa a decorrer em Novembro, na Igreja de São Francisco, no Porto.

O maestro António Vitorino d’Almeida é um dos embaixadores do “World Piece Peace One”, um festival de música em promoção da paz. O que o faz querer participar em campanhas como esta?

Para mim o mais importante tem a ver com o lado ambiental. Quando eu era criança, queria ser zoólogo e continuo a pensar muito assim: o homem está longe de ser uma espécie de sucesso, aquela que dura milhões de anos. Tudo que alerte as pessoas, seja com música, pode até ser com stripetease (risos), mas tudo que alerte para salvar a vida, a nossa vida, é muito mais forte que a nossa presunção de sermos muito importante, até porque não o somos. Se querem fazer isso através de concertos, façam, óptimo! Eu não coloco a música à frente de outras artes. Eu sou músico, mas para mim a cultura é mais importante que a música.

Mas a paz é a causa principal abraçada pelo festival…

Não se pode falar em paz sem passar pelas questões ambientais e pelas guerras, principalmente pelo terrorismo, que é a nova forma de guerra e é uma guerra contra a qual não há armas nem bomba atómica.. A guerra é consciência da miséria, da injustiça, da revolta. Existem situações de guerra em que eu não estou nem aí, como é o caso dos israelitas, é um problema fronteiriço e só. Mas há coisas muito mais importantes do que a bandeira de um povo: saber se as pessoas vivem com justiça, com dignidade. Não é com polícia que se acaba o terrorismo. Todos nós temos um cromossoma terrorista, porque a indignação nos leva a isso. Portanto, é bonito um movimento pela paz que seja conta a injustiça, contra a fome, contra a miséria.

O maestro tem religião?

Eu não sou católico nem muçulmano nem nada, não acredito que o homem tenha sido escolhido por Deus, aliás Deus seria um mau pai se escolhesse um filho mais que os outros. O lado ambiental é terrível, resta-nos quase horas para viver.

Falta humanidade?

Quem acreditava que o ser humano é bonzinho era o Jacques Rousseau. O ser humano não é bom, é como um cão, um gato, um ser como outro qualquer e que quer perpetuar a espécie. Não seria natural se eu nasci humano, primata, eu familiarizar-me mais com um rato do que com o homem. Portanto, o ser humano está neste momento a pôr em risco a sua sobrevivência, está a arriscar ser um dos animais com menos sucesso em termos biológicos da história da vida, o que é lamentável, quer dizer que não prestamos para nada. Enquanto algumas espécies já vão em milhões de anos, daqui a uns duzentos e pouco mil anos o homem já está à rasca.

Mas muitas vezes as chamadas grandes causas sociais são apenas subterfúgios para enormes promoções mercadológicas.

Para mim, o que importa é a minha filosofia e penso que essa filosofia se adapta a esse movimento. A ideia da paz agrada-me, mas eu não sou pacifista, quando existem terroristas, não existem pacifistas. Se há “Hitlers”, mata-se todos eles. Eu não sou aqueles pacifistas que ficam a meditar e meditar (risos). Calma lá! Eu quero acabar com os vírus que provocam a guerra.

A arte tem o dever de transformar a realidade ou, ao menos, relacionar-se com causas sociais?

Mais do que a arte, a cultura é a maior força. Os dois principais ministérios deveriam ser o da cultura e o da saúde, e “eles” não percebem isso. Continuam estupidamente a defender o ministério da economia, das finanças e essas merdas todas. Para mim, deveria ser primeiro o ministério da saúde, o segundo da cultura, o terceiro da educação e só depois viriam os outros. O da defesa, eu não sei nem se existiria.

O que pensa sobre a política portuguesa nos últimos tempos?

O Estado é estúpido, muito estúpido, se calhar foi sempre. Portanto, temos que fazer nós, de alguma forma. Estou a falar como se fosse um anarquista e até certo ponto sou (risos), mas não exerço. Como dizia Salgueiro Maia, figura importantíssima do 25 de Abril: “há o Estado socialista, há o Estado capitalista e há o Estado a que se chegou”. Estamos no Estado a que se chegou, que é um Estado que não percebe nada, em que um partido de direita diz que é de esquerda, por exemplo.

Existe diferença entre Estado e Governo?

Nós temos que compreender que, ao contrário daquilo que o Luís XIV dizia, “o Estado sou eu”, todos nós temos de dizer que o Estado somos nós. O Estado não existe, o Estado não é o governo, e confunde-se permanentemente essa ideia e isso vem desde o Salazar. O Governo é o nosso empregado, a gente paga-lhe para que trabalhe bem, se trabalhar mal, rua!

Mudando de assunto… E os novos projectos?

Eu vivo muito no presente, componho muito, estou sempre a compor. Eu já disse que não sou católico, mas vou estrear em breve uma missa no Porto sobre Francisco de Assis, que era anarquista, na Igreja de São Francisco. A missa deve ser, em princípio, a 28 ou 29 de Novembro e é a coisa mais importante para mim neste momento. Também vai sair mais um livro meu para os próximos dias. O livro chama-se “Tubarão 2000” e é a continuação do meu romance “Coca0cola Killer”, que já vai para a 15ª ou 16ª edição em várias editoras.

O que é que o público pode esperar do próximo livro?

Rir, rir e depois pensar sobre aquilo que está a rir. Eu sou muito chaplinesco. Primeiro faz-se rir e depois a gente deve pensar assim: “será que eu tenho razão para rir?”