A discussão pública sobre a legalização do casamento homossexual em Portugal implica o lançamento de questões relacionadas com o conceito “tradicional” de família e com a homoparentalidade.

Em conferência na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) em finais de Maio, Fabíola Cardoso, militante da causa LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros), chamou a atenção para o modelo familiar “sacralizante” que impera na sociedade. “A família é vista como uma coisa sagrada, à imagem da própria sagrada família”, exemplifica. Para a activista da associação Clube Safo, na cultura portuguesa “é-se casado para ter filhos”.

Para Fabíola Cardoso, a discussão da homoparentalidade “ainda é um tabu, um assunto que amedronta”. A adopção de crianças não é, segundo a activista, a “única” opção para os casais homossexuais, já que muitos deles têm filhos de relações heterossexuais prévias.

“Não espartilhemos as coisas em caixinhas”, argumenta Fabíola Cardoso: a “raiz” para a dificuldade na legalização do casamento homossexual e da adopção chama-se “homofobia”.

Probabilidade de as crianças serem gays é “igual à da população em geral”

A posição da Igreja Católica:

“Defendemos a verdade dos conceitos de casamento e família”, garante o Conselho Permanente da Conferência Episcopal, em comunicado. A Igreja Católica “não pode deixar de lamentar a tentativa de desestruturar a sociedade portuguesa com a adopção de leis que, longe de contribuírem para o seu progresso e unidade, manifestam uma concepção desfocada dos valores na base do nosso modo de viver”, defende. Para a Conferência Episcopal, a legalização do casamento homossexual “constituiria uma fonte de perturbação para adolescentes e jovens e enfraqueceria a instituição da família”.

Segundo Jorge Gato, psicólogo e investigador da FPCEUP, é necessário considerar a “variabilidade das famílias homoparentais”, já que a “maior parte” dos filhos é proveniente de “inseminação artificial ou de união heterossexual prévia”.

Para o docente de Psicologia, a sociedade “perpetua o heterossexismo e a homofobia” ao achar que as crianças “educadas em famílias homoparentais têm maior probabilidade de serem discriminadas”.

Citando estudos comparativos já realizados, Jorge Gato explica que em “nenhum” dos resultados obtidos se verificam diferenças “significativas” entre as crianças em famílias heteroparentais e homoparentais. “A probabilidade de as crianças serem gays é igual à da população em geral”, pelo que interessa, sim, “perceber quais os factores de risco para todas as famílias”.

“Quando existem diferenças significativas entre as crianças, estas são a favor das educadas em famílias homoparentais”, realça o investigador.

O casamento civil é uma “necessidade”

Questionada se optaria pelo casamento caso este fosse legalizado, Fabíola Cardoso diz apenas que “é uma necessidade”, principalmente no que diz respeito aos direitos e à protecção dos filhos. Para exemplificar o modo como os casais homossexuais são “discriminados” pela lei, a militante LGBT explica que “não tem qualquer direito legal sobre” os filhos que a sua anterior companheira deu à luz, apesar de ter estado presente em todos os momentos.

Para a activista, é “preocupante” saber que os seus filhos podem ser institucionalizados no caso de falecimento da ex-companheira. “Casava-me com a mãe dos meus filhos se isso me desse direitos legais sobre eles”, confessa.