O Bairro do Livro, nos Clérigos, continua com um futuro incerto. Os livreiros acusam a autarquia de falta de apoio; por sua vez, a Câmara Municipal do Porto (CMP), numa nota enviada ao jornal “Público”, diz que os proprietários das livrarias “não se mostraram interessados numa parceria” conforme o “modelo” sugerido pela câmara.

Em declarações ao mesmo jornal, o proprietário da Lello & Irmão, Antero Braga, uma das livrarias envolvidas, afirma que o “modelo” em questão passa pelo pagamento de uma brochura que dá informações sobre o projecto, o que, na sua opinião, é pouco, apelando, por isso, à autarquia para “clarificar até onde vai o apoio”.

Fonte da autarquia disse, ao JPN, que a ajuda camarária concentra-se, essencialmente, na agilização burocrática para licenciamentos que sejam necessários, disponibilização de espaços camarários para projectos, sinalética e a edição da tal brochura.

Em resposta, o vereador da CDU, Rui Sá, diz que a câmara “deveria ter um papel mais proactivo no sentido de dinamizar esta iniciativa”.

“Um cluster literário”

Ainda assim, os livreiros esperam apresentar publicamente o projecto ainda no início deste ano. O objectivo é reunir no chamado Bairro do Livro cerca de 30 livrarias (especializadas, generalistas ou alfarrabistas), que se situam entre a Rua das Carmelitas, a Praça Carlos Alberto e a Rua Mártires da Liberdade, criando uma espécie de roteiro literário, um pouco à semelhança do fenómeno das galerias da Rua Miguel Bombarda.

Um cluster literário que, refere o ideólogo da iniciativa Jorge Afonso, é um “caso único, muito raro”. “É um valor acrescentado da própria cidade e [este projecto] articula-se em absoluto, com a tentativa de recuperação do centro”, diz, em declarações ao JPN, o proprietário da livraria Era Uma Vez…, que conta com dois anos de existência.

Da ideia, que surgiu nos inícios do ano passado, à sua divulgação passaram-se poucos dias, quase os mesmos que levaram o antigo vereador da Cultura da CMP, Gonçalo Gonçalves, a solicitar uma reunião com todos os livreiros para lhes dar conta do interesse que a câmara tinha no projecto. Se inicialmente os livreiros não deram alento à ideia de Jorge Afonso, a entrada em cena do vereador deu um novo fôlego ao projecto.

Almoços com autores e menus gastronómico-literários

Em Setembro, porém, Jorge Afonso bateu com a porta, afastando-se – por iniciativa própria ou por pressões alheias, conforme as versões – do projecto. Por decisão da comissão instaladora, o Bairro do Livro não deveria contemplar livreiros com menos de seis anos de conhecimento de mercado, o que impossibilitou, de imediato, a entrada da Era Uma Vez… Seis representantes substituíram, assim, o ideólogo da iniciativa: a Poetria, a Porto Editora, a Imprensa Nacional – Casa da Moeda, a Lumière, a Almedina, a Moreira da Costa e a editora Caixotim.

Ninguém parece, no entanto, querer desistir das ideias. Entre as propostas contam-se almoços ao fim-de-semana com escritores numa tentativa de recuperar a tradição portuense das tertúlias, a publicação de uma revista com sugestões de leituras feitas por autores, a organização menus gastronómico-literários nos restaurantes da zona e o alargamento dos horários de abertura para aproveitar a animação nocturna desta zona da cidade.

A acrescentar a estas haverá, ainda, cartões de desconto, em ligação com o Plano Nacional de Leitura e com outras instituições culturais da cidade, e merchandising.

A opinião dos livreiros

Antero Braga, da livraria Lello, considerada a terceira mais bela do mundo pelo “Guardian”, salienta que a autarquia “não pode ter um papel passivo”. “Se tiver um papel activo vai fazer com que haja resultados melhores para a própria edilidade, para os agentes culturais e para todos aqueles que nos visitam”, diz, em declarações ao JPN.

Se o livreiro da Lello não duvida do papel fulcral que a câmara desempenha para a concretização deste projecto, Nuno Canavez, da livraria Académica considera que a pró-actividade deve caber inteiramente aos livreiros. Mas, para isso, “é necessário haver a vontade de mudar tudo”.

“Os livreiros não são muito chegados. Cada um puxa para si. Mas mais vale tarde do que nunca.”