Parar de ensinar “é uma fatalidade”. Felizmente, os professores jubilados podem continuar a dar aulas, desde que a Universidade os convide. Caso contrário, seria um “corte difícil, muito difícil”. A “última aula” do arquitecto Alexandre Alves Costa, de 70 anos, realiza-se hoje, quinta-feira, na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Não é uma despedida, enfatiza, até porque na sexta-feira já tem outra lição marcada.

“É uma espécie de liturgia académica” que versa sobre a identidade nacional. Quase uma reunião de amigos e familiares, entre os quais Manoel de Oliveira, seu padrinho de baptismo. Não a faz a contragosto, mas não é algo que goste especialmente. Afinal, o seu “papel é outro”: “Não é dar espectáculo. É ensinar.”

A sua “última aula” chama-se “Nós somos da Póvoa de Varzim”. Porquê?

É uma metáfora. Não vou falar sobre a Póvoa de Varzim, de facto. É uma anedota que se conta sobre os pescadores da Póvoa que tem a ver com a questão da identidade nacional.

Mas a aula vai ser sobre arquitectura…

A aula é sobre arquitectura, sim, mas o tema fundamental é a identidade nacional. Vou defender uma espécie de uma tese. O Fernando Pessoa dizia: “A língua é a nossa Pátria”. Eu vou dizer que a arquitectura portuguesa e as cidades portuguesas também são a nossa Pátria. Por isso, vou aproximar as questões da língua das questões da arquitectura e da cidade.

“Quando deixar de existir a identidade da arquitectura, deixa de existir Portugal”

Pensa que o público nem sempre vê a arquitectura como a Pátria?

Não vêem porque não sabem ver. Quando vamos ao Brasil, quando vamos ao Ouro Preto, uma cidade colonial, sentimos que é português. Não pode ser francês, nem alemão, é português. O que significa que há uma identidade nas cidades portuguesas e eu quero chamar a atenção que essa identidade é tão importante para nós como a língua. A língua une-nos e eu acho que a arquitectura e a cidade também nos unem. Vou chamar à atenção que a salvaguarda dessa unidade ou dessa identidade é quase uma questão de sobrevivência. Quando deixar de existir a identidade da língua ou a identidade das cidades ou arquitectura, deixa de existir Portugal.

A escolha desse tema para a última aula tem algum significado?

A última aula tem sempre um significado especial. Por mais que a gente queira disfarçar, a última tem sempre um carácter um pouco autobiográfico. E as pessoas pensam sobre o que vão fazer na última aula e normalmente contam uma história, que tem a ver ou com a sua experiência como estudante, com a escola ou com a experiência profissional. Eu resolvi falar sobre este assunto porque é uma espécie de uma síntese da minha pesquisa de longuíssimos anos. Eu fui professor de História da Arquitectura Portuguesa e a minha investigação andou sempre muito à volta destas questões da identidade nacional. Portanto, faço uma espécie de síntese, recupero textos que inclusivamente já foram publicados. Nesse sentido é um pouco autobiográfica.

Como é despedir-se de 40 anos de ensino e porquê parar agora?

Nós paramos porque somos obrigados a jubilar-nos aos 70 anos. É uma fatalidade. Agora com a nova legislação universitária, que foi publicada em Agosto, os professores jubilados podem continuar a dar aulas, a pertencer a júris de mestrados, doutoramentos, desde que a Universidade os convide. Fiz 70 anos o ano passado e neste momento já estou jubilado, estou a dar aulas no curso de doutoramento, estou também a dar aulas na Universidade de Coimbra e não tenciono parar. Enquanto quiserem, eu continuo a dar aulas. Sinto que um corte muito radical com o ensino depois de quase… eu entrei em ’72 para o ensino… são 40 anos. É um corte difícil, muito difícil. Sobretudo para quem faz do ensino a sua profissão principal. Eu também sou arquitecto e também faço arquitectura, mas, de alguma maneira, privilegiei sempre a parte do ensino e da minha participação na Universidade. Em certo sentido a minha profissão é ser professor.

Vê-se mais como professor ou como arquitecto?

As duas coisas, não consigo distinguir. Eu ainda pertenço a uma escola, a chamada Escola do Porto, em que os arquitectos profissionais se juntavam para dar aulas, mas nunca abdicavam da sua profissão. Neste momento há uma viragem. As exigências da universidade são tantas a nível da produção teórica que muitos colegas meus abandonam a profissão para se dedicarem inteiramente ao ensino. E isso vai dar um carácter diferente à próxima geração de professores.

“É uma cerimónia, para marcar um ciclo”

Esta é uma espécie de despedida oficial, mas não prática.

É uma espécie de liturgia académica, a que nós somos obrigados moralmente. Antes correspondia mesmo a uma despedida, era uma coisa pouco dramática. Neste momento, já não. Eu na sexta-feira tenho aulas às 11h00 (risos). É uma cerimónia, para marcar um ciclo. E eu acho normal que assim seja e, por isso, aceitei fazê-la, embora me custe. Não me… apetece muito este tipo de liturgias.

Mas porquê? Não gosta?

Acho que o nosso papel é outro. Não é dar espectáculo. É ensinar. Não é dar uma aula pública onde vão personalidades. Deixa de ser uma aula, para passar a ser uma conferência. É isso que eu vou fazer. Vou ler um texto e nunca dei aulas a ler textos. São cerimoniais que, de alguma maneira, fortalecem a instituição. São momentos de reunião da instituição, uma maneira de auto-comprazimento. A instituição revê-se e a escola ganha uma certa solidez.

Que presenças é que já tem confirmadas?

Olhe, não sei. Tenho muita gente confirmada e nem quero saber. Só sei as que eu mais prezo. O Manoel de Oliveira.

O seu padrinho…

Sim, que aliás é meu padrinho. E, além de meu padrinho, é meu amigo.

Tem alguma obra que considere “a da sua carreira”?

A última que fizemos no atelier. Aquela que nos deu mais prazer e mais desgosto: Santa-Clara-a-Velha, em Coimbra. O restauro de um edifício antigo, um mosteiro, e a construção de um edifício novo para museu. Foi um trabalho muito apaixonante porque liga as questões do património. Tem tido imensos visitantes e isso é muito agradável, sentir que é reconhecida [venceu o Prémio Diogo de Castilho 2009] e, sobretudo, vivenciada. E agora estamos no Terreiro do Paço! (risos) No centro do poder.