Não é difícil encontrá-lo. Basta passear pelo coração da capital espanhola e visitar os pontos nevrálgicos da cidade. A “Confraria Atlântico” é um espaço totalmente português no Mercado de São Miguel, um ponto de comércio “gourmet” e “delicatessen” entre a Plaza Mayor e o Palácio de Almudena. A vitrina da loja atrai mesmo aqueles que menos gostam de doces ou de açúcar.

Com praticamente um ano de existência, a “Confraria Atlântico” especializou-se sobretudo na venda de doçaria conventual portuguesa. Pastéis de nata, pão-de-ló, trouxas-de-ovos, ovos-moles e pastéis de Águeda são algumas das especialidades da casa que atraem todos os dias centenas de clientes.

O segrego não está só na cor, na textura e no sabor dos doces, mas também no ambiente que se vive na loja. O espaço, situado num dos mercados mais eclécticos da capital espanhola, é gerido por um casal português. Sandra e Edgar, naturais de Aveiro, trocaram Portugal por Madrid há praticamente um ano.

No Mercado de São Miguel, onde tanto se vende fruta, gelados e tapas, como se bebe Vinho do Porto e prova-se pastelaria portuguesa, o casal prima pela “qualidade do produto” e pela “satisfação do cliente”.

Mercado de São Miguel, um ponto de comércio plural

O espaço já integra listas de pontos gastronómicos a não perder em vários guias turísticos. O Mercado de São Miguel, premiado por vários guias internacionais como o Metropoli ou o Michelin, é notícia em diversas revistas e edições especialistas de lifestyle e gastronomia. Trata-se de um mercado alternativo, onde a oferta prima pela qualidade e frescura dos alimentos. Inaugurado no início do século XX, mas recentemente remodelado, o lema do mercado passa por mostrar a gastronomia como um bem cultural e plural, aglutinando “os melhores comerciantes, profissionais e entusiastas nas suas respectivas especialidades”.

O café é muito cobiçado

O café, confidenciam os clientes, “é o mais disputado e elogiado da cidade”. Edgar garante que é dos produtos mais procurados na loja. “Até os italianos, especialistas em café, admitem que este é o melhor café do mundo”, conta Edgar. Os espanhóis já se habituaram a tomá-lo, acompanhado de um pastel de nata. Depois agradecem, dando os parabéns. “Este é o melhor café que bebi”, ouve-se muitas vezes.

Edgar não sabe como consegue dividir o tempo entre os dois países. “Eu tenho de estar em Madrid a 100% e em Portugal a 100%. Isso implica noites sem dormir, muitas horas de auto-estrada, contas enormes de telemóvel. Tem sido um esforço muito grande”, comenta. Apesar de tudo, o casal conta com uma equipa de trabalho constituída, maioritariamente, por portugueses, que asseguram todos os dias o funcionamento da loja.

Os produtos vêm directamente de Portugal. Por causa disso, “um dos grandes problemas é a ruptura de stock”, exemplifica Edgar. Com outras solicitações para abrir espaços idênticos em várias cidades espanholas, como Barcelona, Valência e Bilbao, o português vê-se obrigado a declinar os convites, já que as “empresas portuguesas não conseguem dar resposta às necessidades” da loja em Madrid.

São muitos aqueles garantem que uma viagem à capital de Espanha não fica completa sem uma paragem na “Confraria Atlântico”. É o caso de Ulisses, um português natural de Mira de Aire, no concelho de Leiria, que não poupa uma visita ao espaço sempre que se desloca em trabalho a Madrid.

A decoração da “Confraria Atlântico” também não foi descurada. O Galo de Barcelos não escapa à atenção, já para não falar na doçaria, no Vinho do Porto e no café. Todos ocupam lugares de destaque na ornamentação da loja.

Um hobby de “bons apreciadores de café”

“Sempre vivi no estrangeiro e habituei-me a ver os produtos portugueses muito mal representados”, lamenta Edgar. Foi assim que tudo começou. O casal explica que abriu o espaço para poder mostrar que “os portugueses têm alguma coisa de bom”. “Agora já temos um sítio para trazer os nossos amigos”, brinca o proprietário.

O café surgiu por iniciativa de Edgar e Sandra, que decidiram apostar num espaço em Madrid, sobretudo porque são “bons apreciadores de café.” “Este café é um hobby“, confessa Edgar. Especialista na criação de tartarugas terrestres, o comerciante português gere, também, uma empresa na capital espanhola que se dedica à reprodução de animais exóticos. Sandra, psicóloga de formação, é quem passa mais tempo na loja.

Até Novembro deste ano, o casal prevê abrir mais dois espaços na capital espanhola. Edgar e Sandra vão apostar em dois cafés com o mesmo conceito, mas com uma gama de produtos ainda mais alargada, localizados no Mercado de Santo António, no Bairro de Chueca, e na Rua Serrano, no Bairro de Salamanca.

Edgar tem ainda em mente um projecto inteiramente dedicado ao bacalhau. Vai chamar-se “Rota do Bacalhau” e “dará a provar os pratos mais típicos” desta iguaria caracteristicamente portuguesa. O casal quer introduzir este conceito no circuito comercial de Madrid “brevemente”.

A reacção dos turistas e dos portugueses

Ao entrar na “Confraria Atlântico”, as reacções são diversas. Muitos “fazem uma festa, cantam o hino nacional”, refere Sandra. “Geralmente”, explica Bruno, “os portugueses reagem com surpresa”. No entanto, “há quem se queixe do preço” e “quem diga que estes bolos não são Pastéis de Belém”. Edgar defende-se. “Pastéis de Belém só há mesmo num sítio e é em Belém. Nós aqui temos pastéis de nata”, esclarece. Mesmo assim, a “maior parte das pessoas adora”.

Sandra acrescenta, em tom de brincadeira, que fica admirada com os turistas japoneses. “Chegam de todo o lado e pedem Ló-Ló, Ló-Ló”. “Eles comunicam entre eles e sabem que quando vêm a Madrid têm de vir provar o Pão-de-ló de Ovar”, conta.

“Temos turistas que já deixaram bagagem para poder levar garrafas de Vinho do Porto”, recorda Edgar, gracejando. “Há muito bom ambiente”, interpela Sandra. “Há um conhecimento automático de que os portugueses são amáveis, educados e pessoas com nível. Há uma aceitação total por parte dos turistas”, elucida Edgar. “Os portugueses são bem vistos e, em termos gastronómicos, bastante conhecidos”, remata.

Quase a completar um ano, a “Confraria Atlântico” inaugurou, na semana passada, um novo espaço dedicado a produtos de empresas portuguesas que pretendem entrar no mercado espanhol.