Ainda não tem 30 anos e já filmou um mini-documentário com Dita Von Teese, fez um vídeoclip para a Dido na Nazaré, trabalhou com a Johnnie Walker, filmou o campeão do mundo de Fórmula 1 e fez chover azeitonas por todo o país. Cristiana Miranda é realizadora no mundo inteiro, mas já foi apenas uma estudante lisboeta de 18 anos que sentiu que o país não chegava para todos os sonhos que tinha. Estudou na Universidade de Westminster, onde fez um B.A. em Media Studies, e correu atrás das oportunidades que Londres oferecia. Para trás ficou o espírito comodista que a fez emigrar.

Quando fez o curso estava à espera de seguir cinema?

Uma das razões por que me senti atraída em ir para Londres é que os cursos não são tão definidos. Há uma abertura maior para a pessoa experimentar diferentes módulos. Pode fazer-se a base em Comunicação Social e depois integrar aspectos completamente diferentes: a literatura, a fotografia e, lá está, também o cinema. Quando fui fazer o curso não sabia ao certo o que queria fazer. Gostava mais de audiovisuais, tinha um grande interesse em trabalhar em televisão e já tinha uma paixão por videoclipes. No início [do curso] estava até mais virada para jornalismo. Rapidamente percebi que não era por ali e quando fiz a minha primeira aula prática mais virada e orientada para realização ficou rapidamente esta vontade de realizar. Orientei os meus estudos nesse sentido e calmamente fui nessa direcção. Portanto, eu não fiz um curso de cinema nem nada especificamente virado nesse sentido.

Mas não deixa de ser curioso como é que a Cristiana, aos 18 anos, tinha a convicção de dizer “não” aos cursos em Portugal, de querer “algo mais”. Como é que tinha tantas certezas?

Penso que partiu… parte da minha educação em casa. Os meus pais sempre me deram bastante liberdade, sempre me incentivaram muito a procurar o meu caminho. No Verão sempre viajámos muito pela Europa de carro. Tive uma abertura muito grande a experiências e nunca tive medo de conhecer pessoas e culturas diferentes, e, para isso, ajudou muito esta vontade meio cigana dos meus pais de viajar. Mas também acho que partiu um bocado de uma certa estagnação e falta de entusiasmo que eu sentia à minha volta até aos 18 anos.

“Não gosto de achar que as coisas caem do céu”

A maior parte dos meus amigos seguiram o percurso profissional que não era imposto, nem ditado, mas era o mais fácil. Depois tinha um medo gigante dos cursos em Portugal, que eu sempre achei muito teóricos e muito pouco práticos. E como nessa idade é tão importante tomar a decisão certa, é tanta a pressão em cima dos jovens porque se está a tomar a decisão para o resto da vida, eu não quis enfrentar as coisas dessa maneira.

Aos 18 anos era muito nova e, se decidisse de forma errada, com sorte poderia voltar a tentar e ir por outro caminho. Achei que ir para Londres ia trazer uma falta de conforto que me iria obrigar a lutar pelo que eu queria. Acho que resultou. Eu gosto desse tipo de desafios, não gosto de achar que as coisas caem do céu.

Como as azeitonas…

(Risos) Exactamente.

E como é que foi o salto da universidade para o mundo real? Foi quase uma história de acasos, pelo que percebi.

Foi uma combinação de estar numa cidade que tem muitas oportunidades, mas também procurá-las e ir atrás delas. A partir do momento que descobri que queria realizar, a maior parte do meu tempo em Londres não estava dedicado à universidade. Andava sempre entusiasmada de um lado para o outro a tentar aproveitar o que a cidade tem para oferecer, a fazer cursos de teatro, cursos de tudo. Percebi que, para entrar na indústria do cinema, era uma questão de uma pessoa entrar no meio, de arranjar uma maneira de entrar no meio.

“Aprendi bastante a observar”

Quando acabei o meu curso fiz uma lista dos dez maiores filmes com os dez melhores realizadores, na minha consideração, que estavam a ser filmados em Londres. No n.º 1 pus um filme do Stephen Frears, que é um realizador de que gosto bastante. E fui bater às portas para trabalhar com essas pessoas dentro das produções. Disse que gostava muito de fazer um estágio com a produção do Stephen Frears e eles, muito graciosamente, aceitaram a minha proposta. Fui uma semana estagiar com eles na produção, mas acho que perceberam que eu estava ali com uma missão de tentar entrar dentro deste esquema da indústria cinematográfica e apoiaram-me bastante. Faziam questão que eu estivesse sempre no set, ao lado do Stephen. Aprendi bastante a observá-lo e a observá-lo com os actores.

Passado uma semana arranjaram uma espécie de “desculpa” e um trabalho em que me pagavam 50 libras por dia. O que acabava por acontecer é que eu trabalhava duas horas na contabilidade e depois deixavam-me ficar no set a observar o que se passava. O produtor do filme explicou-me que para se entrar na rede que toda a gente era representada ou por agentes ou por aquilo que em Londres chamam “diary services”, que é uma espécie de agente, mas a uma escala mais ampla. Recomendou-me uma rapariga, que eu contactei, que começou a representar-me e a tentar arranjar trabalhos freelancer dentro do cinema e publicidade.

Na altura já tinha alguma preparação, algum curso nessa área?

Eu estava mais virada para a produção porque na parte técnica, aí sim, tem de se ter uma formação mais específica. Fazia mais sentido eu pegar pela produção também em termos de perfil, porque era uma pessoa destinada a executar várias tarefas com muita facilidade e a organizar/antecipar problemas. Essa rapariga arranjou-me trabalho imediatamente. Um foi com uma fotógrafa inglesa chamada Elaine Constantine, que é bastante famosa, e um com uma produtora japonesa. Durante duas semanas andava a trocar entre uma e outra, até que recebi um telefonema desta empresa, chamada Knucklehead, que agora me representa como realizadora em Londres, que na altura estava a abrir.

Contactaram-me, disseram que tinham ouvido falar muito bem de mim e que gostavam que eu fosse trabalhar com eles como recepcionista e assistente, um pouco de tudo. Eu estava um pouco assustada com a publicidade, porque não sabia muito, e estava tão fixada no cinema que hesitei em aceitar, mas depois achei que qualquer experiência era válida. Então disse que sim. Comecei a trabalhar com eles como recepcionista e comecei também a trabalhar muito directamente com os realizadores desta nova empresa. E foi aí que entrei na publicidade.

“A Dita é uma pessoa muito cativante”

E foi aí também que começou o seu documentário da Dita Von Teese (ver filme).

Quando comecei a trabalhar na Knucklehead, eles perceberam que eu tinha muito interesse na realização e que mostrava muito entusiasmo na parte criativa, apoiava muito os realizadores, trabalhava muito próxima deles. O Discovery Channel perguntou à Knucklehead se eles queriam propor ideias para pequenos filmes de três minutos e a Knucklehead disse: “Cristiana, se quiseres escreve uma ideia. Se eles aceitarem, nós produzimos.” Escrevi a tal ideia de filmar a Dita Von Teese, que na altura não era muito conhecida – já tinha alguns seguidores, mas era underground, ainda nem estava casada com o Marilyn Manson.

Propus, o Discovery adorou a ideia, contactei a Dita, que disse que tinha de me conhecer primeiro. Demo-nos lindamente e partiu daí este projecto. Foi fantástico trabalhar com ela porque realmente ela é uma pessoa muito cativante e fortíssima para ser filmada. Quando acabei o filme, foi quando ela explodiu no mercado inglês e surgiu em força nos meios de comunicação. Ela gostou tanto do filme que usou-o quase como uma carta de apresentação. Tudo que era programas de televisão, exposições, tributos, ela levava o filme com ela para mostrar porque tinha orgulho no que tinha sido produzido. Fui nomeada para um prémio em Londres e comecei a ganhar bastante atenção.

O Discovery então propôs-me fazer outro filme e eu fui para Berlim filmar um pintor alemão que se chama Rainer Fetting (ver filme). Com estes dois filmes continuava a trabalhar como recepcionista na Knucklehead enquanto toda a gente me dizia – “mas tu agora és realizadora, por que é que estás a trabalhar como recepcionista?”. E eu sempre insisti que não queria elevar muito o status de realizadora porque não sentia que fosse merecido, achava que as coisas se vão conquistando com o devido tempo e para mim ser recepcionista era algo que não me afectava o ego. Só que entretanto o mundo da publicidade veio-me bater à porta e tive de dar o salto.

Apareceu com a McLaren, certo?

A Johnnie Walker e a McLaren viram os pequenos documentários que eu fiz e ficaram interessados na abordagem e na facilidade que tinha em aproximar-me das pessoas, em fazê-las cativantes. Propuseram-me filmar pilotos de Fórmula 1 e tentar criar conteúdo interessante para o site da Johnnie Walker. Eu aceitei. O meu primeiro trabalho foi com o espanhol Alonso, que foi um desafio interessante porque ele é uma pessoa muito fechada e extremamente difícil e a primeira experiência foi um projecto bastante grande, com muito pouco tempo.

Muita gente achava que eu não tinha noção do que estava a fazer”

A passagem para a publicidade foi quase uma chapada para acordar para a rapidez com que esta indústria funciona. Mas acabou por ser uma experiência muito boa porque a minha, de certa forma, ignorância a este mundo fez-me ser extremamente forte e estava convencidíssima que conseguiria fazer tudo. Achava que tempo não seria problema, que chegar a ele não seria problema e acho que foi depois esta garra que ajudou. Muita gente a meu lado achava que eu não tinha a noção do que estava a fazer e perceberam que, afinal, às vezes conta mais o espírito com que se vai para um projecto.

Acabou por correr bem porque percebi que o isolamento dele e a quase arrogância partia de uma base de timidez e de um problema que, penso eu, ele acha gravíssimo: o inglês dele não é muito bom. E como ele é uma pessoa extremamente competitiva, não gosta de dar a parte fraca. Prefere isolar-se. Penso que a meio das filmagens apercebi-me disso e as coisas mudaram bastante. E como eu consegui ter uma abertura bastante grande por parte dele acho que impressionei a Johnnie Walker e a McLaren e tenho trabalhado com eles. Ainda agora estou quase a ir para a China filmar para eles. Tem sido uma experiência óptima e uma colaboração a que eu não consigo dizer não.

O JPN agradece a colaboração de Miguel de Azevedo Carvalho