Antonio Rubio é um veterano do jornalismo de investigação. Tem 58 anos e trabalhou em vários casos mediáticos como a descoberta do Grupo Antiterrorista de Liberação (GAL), o 11 de Março e o Caso Roldán. Professor universitário e subdirector do jornal “El Mundo” desde 2005, recebeu o JPN no seu gabinete no interior da redacção.

Nas paredes, algumas capas de jornais. Atrás da secretária, uma moldura com a fotografia dos filhos. Ao lado, um prateleira cheia de livros. Em cima da secretária, alguns papéis e um computador. Tudo organizado. Questões éticas e judiciais, cuidados, perigos e medos, bom e mau jornalismo. Nesta conversa, falou-se de tudo, até do futuro da profissão.

Que cuidados é que deve ter um jornalista durante uma investigação?

Não há que escandalizar-se, nem pensar que o jornalismo de investigação é uma profissão arriscada. Tem que se calcular e medir todos os passos, procurar uma maior capacidade de segurança. Da mesma forma que os operários que sobem aos andaimes respeitam todas as medidas de segurança, o jornalista também tem de o fazer. A reportagem de investigação não é o jornalismo de heróis, aventureiros ou trapezistas. Para mim é o jornalismo mais seguro, porque tem que se saber cada passo que se dá, por que se dá e de que forma se dá.

Sem dúvida que é preciso ter cuidados. As reportagens têm repercussões políticas e jurídicas. Para além de que as pessoas afectadas costumam ser poderosas e tentam pressionar-te, levam-te a tribunal e tentam prejudicar-te dentro da própria empresa. É assim o jornalismo de investigação. Ou aceitas ou dedicas-te a outra coisa.

“O jornalista existe para denunciar”

Que características é que deve ter um jornalista de investigação?

Deve ser uma pessoa normal. Coisa que é difícil. Basicamente, deve ser como qualquer outro jornalista. Deve respeitar minimamente as leis deontológicas que hoje já não se respeitam. Actualmente, muita gente copia, manipula, rouba informações a outros profissionais… O jornalismo tende a ser o reflexo da própria sociedade. E quando a sociedade tem um índice de corrupção alta, o mais certo é que o jornalista actue da mesma forma.

Mas o jornalista está ali para denunciar. Ou seja, não tens que utilizar os actuais mecanismos da sociedade para poderes triunfar, ao contrário do que muita gente pensa. Não podemos ser mentirosos ou piratas da informação. Temos que ser normais e éticos.

É ético pagar uma informação?

Em Espanha, é licito pagar por uma informação sempre que a informação seja legal. Eu, deontologicamente, penso que não é correcto. Mas se eu tenho de trazer uma pessoa de um país qualquer para poder entrevistá-la ou para poder ver os documentos que ela tem, aí posso pagar-lhe a viagem. Era a mesma coisa se eu comprasse uma viagem para ir ter com ela. Por outro lado, se uma pessoa trabalha e, para estar contigo e ajudar-te na investigação, perde um tempo do trabalho, o lógico e o normal é que a compenses pelo trabalho dela. Mas, não, nunca se deve pagar pela informação como tal.

A informação pode estar contaminada?

Tem riscos. A informação pode ter uma finalidade. Há uma maior intenção por parte da pessoa que tem esse material em facilitar-to. Essa pessoa pode ter obtido a informação de forma ilegal. E se tu lhe pagas estás, teoricamente, a apoiar essa ilegalidade. Não é a mesma coisa tu pedires uma informação à pessoa que a conseguiu licitamente, que pedir uma informação a outra que a roubou com a intenção de obter benefícios económicos.

“Cada vez mais os procedimentos judiciais agridem os jornalistas”

Compensa cumprir todas as normas éticas?

É o “abc” do jornalismo. Não se pode dar voltas a isso. Cada vez mais os procedimentos judiciais agridem os jornalistas, mas, para mim, isso não é importante. Podem deitar-me abaixo, mas jamais revelarei as minhas fontes. Há dois meses tive de pagar mil euros por não revelar a fonte de uma informação e tenho outro juízo pendente por causa da mesma coisa. É como pedires a um psicólogo para entregar o relatório de uma consulta a alguém ou pedires a um padre que revele o segredo da confissão ou a um advogado que revele os procedimentos de um processo. Isso não pode ser.

O que é que se sente quando se está a ser julgado por proteger uma fonte?

Impotência. Nada mais. Neste caso mais recente, ajudou-me a reafirmar os meus princípios éticos e deontológicos porque me fizeram uma chantagem. Pediam-me cem mil euros para não me apresentarem a queixa. Eu disse, de imediato, que não cedia a chantagens. Preferia que fizessem as queixas que quisessem. Se cedes a uma chantagem, já ficas mal com a profissão.

Qual é o estado actual do jornalismo de investigação?

Está doente. Quer dizer, está entre a Unidade de Cuidados Intensivos e a ordem para receber alta. Está de alguma forma a recuperar, mas o que acontece é que os oligopólios não permitem que se faça o jornalismo de investigação que se fez nos anos 90. Foi um momento sociopolítico importante. Hoje há muitas pressões pelos grupos económicos e políticos.

Que meios de comunicação é que ainda conseguem fazer investigação?

Em geral, todos. O problema é ter tempo. Temos dois problemas fundamentais: a crise económica e a procura de uma nova forma de informar, através da Internet e da análise intensiva. Hoje procura-se a velocidade, o flash informativo e não a profundidade e valor acrescentado das coisas. Isso deteriora o bom jornalismo e sobretudo o jornalismo de investigação. Cada vez mais é difícil divulgar uma notícia com fontes contrastadas, trabalhada e escrita de forma correcta.

“Antes da investigação, há que fazer muito ”jornalismo de rua'”

Como é que um jornalista pode gerir a sua segurança psicofísica?

Tem que se estar muito concentrado e ter-se muitos anos [de experiência]. Sobretudo porque a idade dá tranquilidade, maturidade e calma. Sabe-se enfrentar as coisas de maneira diferente. Quando somos mais novos, arriscamos mais, somos mais impulsivos. Com mais anos, analisamos as coisas com mais frialdade.

E, antes de se fazer investigação, tem que se ser repórter. Não se chega ao jornalismo de investigação da noite para o dia. Há que fazer muito “Local”, muito “jornalismo de rua”, muitas reportagens, muitos temas… Só depois se pode dar “esse salto”.

Com tantos riscos, compensa fazer investigação?

Isto é como uma droga. Quem prova, gosta. Quem quisesse ser rico, não se meteria em jornalismo. Dedicar-se-ia a outro tipo de questões. Há cinco minutos atrás, ligou-me um director-geral de um clube de futebol a convidar-me para ir a uma final de um jogo em Hamburgo. Eu agradeci e disse-lhe que não aceitava. Não aceito convites de ninguém. Eu não admito nenhum tipo de convites, presentes, nada. Nem no Natal. O máximo que aceito são postais de felicitações. Mas isto já não é normal.

As pessoas aceitam presentes. E depois se tenho que dar uma notícia sobre o senhor que me convidou? Estou atado. Temos que ser éticos antes, durante e depois. Se queremos ser ricos, temos que nos dedicar a outra coisa que não o jornalismo.

Costuma confiar em telefones e emails?

Não. Para telefonemas delicados, não. São os piores inimigos que temos durante uma investigação. A melhor forma de obter informações é a partir do tratamento pessoal, do frente a frente. Nunca através de equipamentos tecnológicos. É por isso que a informação é mais cara. E leva mais tempo.