António Rubio não tem medo. Foi perseguido durante algumas investigações, mas diz só ter sentido “perigo”. Quanto ao futuro, o profissional sonha com um “melhor jornalismo”, embora defenda que a profissão é gerida segundo os caprichos de quem só quer ganhar dinheiro. Por outro lado, há que apostar no “estudo” e no “trabalho” para se almejar a “excelência do jornalismo”. Apesar de tudo, o subdirector do “El Mundo” defende que um dia o jornalismo “há-de melhorar”.

Qual é o maior inimigo do jornalista?

É o próprio jornalismo. Os próprios jornalistas, as próprias empresas. Antes, todos os repórteres tinham um fim intelectual e filosófico. Hoje, o fim é ganhar dinheiro. Agora, as empresas dos órgãos de comunicação pertencem tanto a construtoras, como a fabricantes de chouriços. A esse sector, importa-lhes muito pouco o nível e a qualidade da informação. O que importa é ganhar dinheiro. E depois dá prestígio ter um meio de comunicação. Não estamos no melhor momento, porque a sociedade não está no melhor momento.

Caminhamos para pior?

Eu creio que sim. Stieg Larsson, na sua trilogia, faz uma perfeita análise do futuro do jornalismo de investigação. O bom jornalismo vai ter de especializar-se. Isto vai levar a meios de menor difusão e mais caros por causa da qualidade. Um determinado sector de gente, com poder económico, poderá aceder a essas informações. Outros não. Dentro de uns anos, os jornais de trezentos mil exemplares vão desaparecer. Os que existirem terão pouca tiragem e menos páginas. Mas serão mais caros. Vão servir para aprofundar, analisar, investigar. O dia-a-dia estará na Internet. Hoje, chegámos a um momento em que temos mais informação, mas menos profunda e pior.

“O bom jornalismo vai ter de especializar-se”

Que conselhos dá a um estudante de jornalismo?

O mais importante é afastar o pessimismo. Hoje em dia há uma coisa que é fundamental e que noutras épocas não era assim tão importante, porque não nos precisávamos de preocupar com isso: a língua. Hoje não se lê nada. Os alunos não lêem jornais sequer. Se não se lê, como é que se aprende a escrever? Mesmo os alunos de audiovisual acham que não precisam de saber ler. A nossa profissão é como a dos médicos e a dos advogados. Temos que estar sempre a estudar, em formação. Sobretudo porque não sabemos de nada.

A mim incomoda-me quando vejo os “tertulianos” e os comentadores a falar absolutamente de tudo. Eu, que sou minimamente especialista numa matéria, não sei tudo sobre ela. Mas há gente que é capaz de comentar assuntos de aeronáutica, programas marítimos, economia… Enfim! (pausa) A melhor forma é estudar, trabalhar, estudar, trabalhar, estudar, trabalhar… É como os músculos. Temos que treiná-los para terem um rendimento maior.

Já sentiu que podia ser alvo de um ataque?

Sim, porque primeiramente ataquei eu. E as pessoas atacadas tentaram defender-se, atacando-me de volta com ameaças, pressões, queixas judiciais… Mas pronto, faz parte da profissão.

Teve medo?

Só senti medo uma vez. Mas o medo é controlável. O mesmo acontece com o risco. Se te expões a muitos riscos, tens mais medos e mais problemas.

Nunca sentiu que podia morrer?

Não, com o tema dos GAL [Grupos Antiterroristas de Liberação] senti perigo. Não por mim, mas pela minha família. Tivemos, durante três meses, protecção do Ministério do Interior. Havia ameaças. Foi incómodo. Os meus filhos eram pequenos, tinham dois e três anos. Não se aperceberam. Não foi difícil, mas foi incómodo. A própria Guarda Civil estava envolvida no caso. Por isso, iam, obviamente, pressionando.

“Somos tão bons quanto o último [trabalho] que fizemos”

A sua família nunca se lamentou por estar demasiado ligado ao jornalismo?

Não, porque quando eu conheci a minha mulher, já andava nestes “filmes”. E, logicamente, se não és possessivo com as situações, não há problemas. É necessário que tenhas apoio em casa. Não podes estar, de alguma forma, a lutar fora de casa e com problemas dentro de casa. A mente tem que estar muito clara e muito centrada durante uma investigação.

Consegue separar o trabalho como jornalista da vida particular em casa?

Bom, recebo algumas chamadas em casa (risos), mas tento desligar-me.

Já alguma vez pensou em desistir?

Não. O máximo que alguma vez possa ter pensado é que um dia vou cansar-me. Caso isso aconteça, deixo o dia-a-dia jornalístico e dedico-me mais à faculdade.

Gosta de dar aulas?

Sim, gosto. Eu acho que é uma obrigação. Para que é que eu quero todos estes anos de profissão? É para trasladar a alguém, aos estudantes. Tenho que deixar umas sementinhas.

Prémios. Qual foi o mais importante?

Não gosto de prémios. Só gosto de jornalistas sérios.

E qual foi a sua investigação mais difícil?

São todas difíceis. Cada dia há um novo problema ou circunstância. Qual é a operação mais difícil de um cirurgião? É a que está pendente, porque ainda não está resolvida. Qual foi a investigação mais difícil? É a que levo agora, porque ainda não consegui as informações que queria. Nós vivemos o dia-a-dia. Somos tão bons quanto o último [trabalho] que fizemos.

Ainda há muita coisa para fazer pelo jornalismo?

Sim. Há muito para fazer pela sociedade? Sim, claro que sim. Então o mesmo acontece com o jornalismo.

“Devemos denunciar o irregular”

Tem esperança de um dia ver o jornalismo mais saudável?

Tento que o jornalismo seja, cada dia, mais intencional. Ou seja, através da denúncia, devemos tentar mudar algumas normas incorrectas dentro da própria sociedade. Os jornalistas têm a obrigação de denunciar e não a tarefa de rir das graças dos políticos. Não é esse o sentido do jornalismo. Devemos denunciar o irregular. Para fazer o regular, já existem os assessores de comunicação e os relações públicas. Um dia isto há-de melhorar. Pelo menos lutamos por isso, pela excelência do jornalismo.

Já escreveu quatro livros. Os seus leitores podem esperar mais algum para breve?

Tenho dois livros em mente. Mas o ritmo do trabalho no jornal e a universidade fazem-me roubar tempo à família. E começo a perceber que a família está antes.

Mas a família e o jornalismo estão ao mesmo nível?

Digamos que sim. A 50 por 50.