O João Paulo Meireles apresentou na Assembleia Municipal uma moção sobre as SCUT. O presidente da Câmara do Porto (CMP), Rui Rio, já se pronunciou diversas vezes contra a introdução na região Norte e chegou mesmo a falar de revolta popular. A cobrança de portagens nas SCUT é uma medida realmente importante e necessária?

Entrevista:

João Paulo Meireles – “As pessoas do Norte têm sido bastante castigadas”
– “O Porto é hoje muito diferente”
– “Há jornais que são avessos à Câmara do Porto”

Os portugueses, por norma geral, têm sido gente de brandos costumes. A questão da desobediência civil muito raramente vem à baila, mas é revoltante. As pessoas não compreendem como é que em 20 e tal SCUT são portajadas três, as três no distrito do Porto. As pessoas não compreendem bem por que é que desde 97, embora com muitas críticas, um partido que sustenta o Governo prometeu sempre que essas vias iam continuar sem custos. [O PS] ganhou eleições em Vila Real, onde nunca tinha ganho, e de certeza que, de alguma forma, está ligado a esta promessa e efectivamente teve de reconsiderar porque era absolutamente incomportável.

Nós não estamos contra o princípio em si porque sempre defendemos que essas vias deviam ser portajadas. Agora, devem ser todas portajadas, não pode haver aqui discriminação. Se houvesse, era uma discriminação positiva nas zonas que mais precisam dela. Depois, quando são definidos três critérios [tempo de percurso pela alternativa não pode ser superior em 130% ao percurso na SCUT, o PIB da zona em questão tem de ser igual ou superior a 80% do nacional e o Índice de Poder de Compra Concelhio da área seja inferior a 90% da média nacional] e esses critérios efectivamente não estão cumpridos e as próprias Estradas de Portugal vieram desaconselhar a introdução de portagens nestas vias.

O que nós reclamamos é que a região não seja tratada de forma diferente, até porque, além de não estarem cumpridos esses critérios, há especificidades de concelho para concelho: o interior do distrito não é igual ao litoral. Esta questão foi tratada de forma muito leviana e acho que o Sr. Dr. Rui Rio quando diz que as pessoas se deviam revoltar, se calhar não é para incitar à revolta. Estava sim como representante, não apenas da cidade – [é] um líder da região – a dar voz às pessoas que manifestavam essas opiniões.

O adiamento do TGV levou também a que este executivo acusasse o Governo de estar a prejudicar o Norte. O TGV é fundamental ou seria melhor pensar noutra alternativa ou apostar nas ligações já existentes?

O problema aqui é que nós não temos um rumo. Portugal vira-se para os PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa], com quem tem boas relações históricas, e durante dez anos vamos realmente apostar em levar as nossas empresas para África, Brasil, … [Mas] será que o nosso parceiro é Espanha ou outros países, nomeadamente os recém-chegados a este clube mais restrito da União Europeia? A questão é que é precisamente isso que nos falha.

Se nos perguntar no que toca ao Norte, naturalmente que a Galiza tem muitas afinidades connosco. No meu entender, não seria muito mau e não seria uma falha tão grande não termos o TGV para Vigo, mas que nos digam qual é o papel da região Norte, o que é que está pensado para a região Norte. E eu digo região Norte, mas é o país todo que tem esta ausência de rumo. O TGV naturalmente que é importante, naturalmente que daqui a 20 ou 30 anos ainda mais importante [será] e mais a sua necessidade se fará sentir; agora neste momento e como as coisas estão, se é absolutamente essencial e prioritário… se calhar não é.

“Reclamamos que o Norte não seja tratado de forma diferente”

Mas não é prioritária a ligação do Porto a Vigo por TGV, mas se calhar também não era a ligação Poceirão-Caia. E naturalmente que aeroportos também não seriam essenciais e a terceira travessia do Tejo, que essa sim vai para a frente. Se me disser para escolher entre o TGV de Porto a Vigo e a terceira travessia do Tejo, eu se calhar escolho a ligação do TGV de Porto a Vigo. Mas se calhar nem uma coisa, nem outra.

Tem de haver uma revolta popular aí também…

Eu acho que as pessoas do Norte têm sido bastante castigadas. Desde o tratamento que é dado à região no PIDDAC [Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central], no QREN [Quadro de Referência Estratégio Nacional], no Centro Materno Infantil do Norte, que é um sonho. A questão do nosso Metro do Porto – as acessibilidades na Trofa e o estacionamento na Póvoa de Varzim -, o facto de não haver mais um euro que seja e nem mais um metro de Metro do Porto.

A forma como a frente ribeirinha do Tejo foi tratada e a forma como é tratada a do Douro. Parece que temos um país ou dois países dentro do mesmo. Que as pessoas se revoltam, não, mas que as pessoas cada vez mais têm essa consciência, têm. E, se calhar, é por isso que há cada vez mais adeptos de regionalização no Norte, já quanto mais não seja vencidos pelo actual estado das coisas.

Era precisamente aí que queríamos chegar. O que é que a JSD pensa da regionalização? Até Rui Rio, que não era grande adepto da regionalização, tem vindo a realizar iniciativas e debates e já deu abertura, pelo menos, para uma discussão.

Era como eu estava a dizer. De qualquer forma ainda é difícil discutir no seio da população em geral a regionalização porque ainda há muita areia deitada aos olhos das pessoas. Falam sempre da questão da descentralização. A descentralização e a regionalização são coisas totalmente diferentes. O que pode acontecer através da descentralização, independentemente dos locais onde se situam os centros de decisão, é haver uma responsabilidade directa dos eleitos perante os eleitores, coisa que a regionalização permitiria.

“O país todo sofre desta ausência de rumo”

Se nós pensarmos bem, se calhar hoje o nosso dia-a-dia é tão condicionado pela actividade do executivo e dos presidentes de câmara e da junta como é, se calhar até mais, influenciado pela Administração Regional de Saúde, pela Direcção Regional de Educação, por todas esses exercícios públicos que são [compostos por] pessoas que nós não conhecemos, que não elegemos, que se tivermos descontentes não temos nenhuma forma de fazer ver o nosso descontentamento.

É uma posição tendencialmente pró-regionalização.

Sim.

Um dos grandes activos da cidade é a Universidade do Porto (UP). O reitor, Marques dos Santos, tem vindo a demonstrar vontade de abrir a Universidade à Área Metropolitana do Porto, à Câmara e a empresas. A autarquia tem esta vontade?

Eu penso que sim. Há muitos exemplos de parcerias entre a Câmara e a UP. A fundação Porto Ciência, alguns projectos do Planetário. Já são parceiros por excelência. Se tínhamos interesse enquanto cidadãos que essa parceria se adensasse, penso que sim. Mas também não vejo nenhum indício sequer de falta de vontade camarária para que isso não aconteça.

Tem acompanhado o funcionamento dos Conselhos Municipais de Juventude?
Este mandato ainda não ocorreu nenhum. O último ainda foi no ano anterior, antes das autárquicas.

“O Porto foi a primeira Câmara a ter um Plano Municipal da Juventude”

E que iniciativas é que se tem proposto?

O Conselho Municipal da Juventude é um órgão que pretende auscultar as associações juvenis – não só as partidárias – e que funciona como um parceiro de diálogo. É uma forma de pensar a política de juventude da Câmara e de uma forma contextualizada, com a opinião dos próprios intervenientes. Nesse sentido fez-se o Plano Municipal da Juventude, um documento que não existe em muitas câmaras do país – na altura [a do Porto] foi a primeira – e funciona como um parceiro da vereação da juventude. É o nosso palco, onde podemos dar a entender os nossos pontos de vista e discutir no seio das associações de juventude algumas medidas, [dizer] aquilo que pretendemos da Câmara, fazer sugestões. Depois há todo o trabalho da vereação, que as desenvolverá ou não.

Qual é a periodicidade das reunioes do conselho?

Não tem periodicidade ordinária.

Eu estive a explorar rapidamente o documento e encontrei lá várias iniciativas. Houve duas que me despertaram a atenção – um projecto de apoio empreendedorismo e um projecto de incentivo e integração de jovens no mercado habitacional municipal. Focam aí dois pontos importantes. Como estão a decorrer, em que ponto estão, o que já foi feito nesse sentido?

O Plano Municipal da Juventude é um instrumento de base. Não tem medidas concretas, nem se calhar faria muito sentido que tivesse, até pela extensão e pela natureza do documento em si. Mas, por exemplo, relativamente ao empreendedorismo temos o Palácio das Artes, disponível para de alguma forma ajudar os jovens, muito vocacionado, até pelo edificado em si, para as indústrias criativas. Depois temos o papel da Cidade das Profissões. Se calhar a mensagem não passa, mas é um projecto absolutamente interessante porque não procura arranjar emprego, procura sim que as pessoas se apercebam das capacidades e vocações que têm. E, apesar de terem uma formação mais hermética numa determinada área, não deixam de ter soft skills e apetências para derivarem ligeiramente a sua carreira.

Uma das propostas da JS Porto foi a criação de um parque tecnológico no antigo matadouro municipal de Campanhã. O que é que a JSD acha desta medida?

Vou responder de forma pessoal. Eu penso que no antigo matadouro ainda estão a funcionar algumas actividades da Sociedade Protectora dos Animais. Pelo menos recentemente ainda lá estavam algumas estruturas. De qualquer forma, mesmo que assim não seja e esteja devoluto, a verdade é que fazer um parque tecnológico custa quanto? E com quem? Só a CMP como promotora ou com algum parceiro?

A ideia dita para o ar pode até ser apelativa, mas o que temos vindo a assistir é que temos a oposição a fazer sugestões, umas mais gigantescas do que outra, relativamente à forma de gerir os dinheiros. É muito mais fácil a seguir vir com outra ideia megalómana e vender a ideia de que não há abertura para nada. Temos de pensar se realmente haveria condições para isso, se haveria interessados ou se era mais um daqueles poços sem fundo à boa moda do Partido Socialista. Nesse aspecto, parece que a JS segue o exemplo dos mais graúdos e isso não augura nada de bom.

Para terminar: O que é que falta melhorar no Porto?

A cidade do Porto tem efectivamente uma alma muito própria que se pode estar a perder fruto das circunstâncias. Não tem a ver com a Câmara, também não tem a ver com o Governo. Tem a ver com esta conjuntura que faz com que as pessoas andem mais viradas para si próprias, se calhar quase sem alegria, sem vontade de resistir, quase sucumbem. Mas, de vez em quando, acontecem aquelas manifestações em que vemos que está la tudo. Está a alegria, a vontade de ser portuense, sofredor, mas com a sua dinâmica própria.

O que é preciso é que a cidade seja cada vez mais apelativa e mesmo que estivesse a abarrotar pelas costuras o nosso objectivo seria sempre captar mais pessoas. Que possa vender a sua imagem junto do turismo internacional, a marca “Porto” em si, e isso será uma aposta deste executivo. Não só o Porto concelho e cidade, mas o Porto até dentro do distrito. Que rentabilize alguns dos seus recursos. Claro que não estou à espera de ter muitas mais bandeiras azuis porque não é por aí que o Porto se vai salientar, não é isso que vai vender a nossa imagem, mas que passe também pela divulgação do Vinho do Porto, do Douro. Que seja mais apelativo a visitantes.

“É preciso que a cidade seja cada vez mais apelativa”

Há a questão depois de sediar pessoas na Baixa e tb fazer com que o crescimento na Baixa também ocorra de forma ordenada porque, caso contrário, seria pior a emenda do que o soneto. De um modo geral, falta, se calhar, podermos ter aquilo que outros municípios tiveram: uma sanidade de contas que permita abraçar projectos mais ambiciosos. Foi uma prioridade e continua a ser e isso naturalmente que teve a sua factura. Mas felizmente as contas estão a ficar em condições e daqui para a frente o Porto tem todas as condições, vai ser possível dar um salto.

De qualquer forma, cada vez mais se nota que o Porto está no mapa, independentemente da opinião que tenhamos dos espectáculos. O Porto está hoje a ser palco de eventos internacionais como não era, independentemente de gostarmos deles ou não. O Porto vai ter um centro de congressos como nunca teve e era uma vergonha porque não podíamos ter um congresso internacional de farmacêuticos ou médicos porque não tínhamos sala adequada para isso! Portanto, nesse aspecto, o Pavilhão Rosa Mota vai servir perfeitamente uma carência da cidade.

Crescimento em termos de edificado não temos propriamente muito para onde, em termos de vias de acesso estamos relativamente bem servidos – claro que há trânsito, é uma cidade – e tem de haver um esforço de recuperação das fachadas que passe por aquilo que são os edifícios públicos mas também dos privados. Darmos uma nova roupagem à cidade porque é o cartão de visita e é isso que nos faz trazer mais pessoas.