A revolta mora no olhar de Nicole Emany.

“Todos os dias há mulheres a serem violadas no Congo. Se forem trabalhar para o campo são violadas.” Nicole trabalha no Fórum Inter-regional das Mulheres Congolesas, cujo objectivo é dar apoio social e psicológico a 150 vítimas de crimes sexuais na República Democrática do Congo (RDC).

“Quem está a prejudicar o nosso país são os soldados do Ruanda”, denuncia, em entrevista ao JPN. Presente nos Dias Europeus do Desenvolvimento, que decorreram de 6 e 7 de Dezembro, em Bruxelas, Nicole não deixa o Congo ser esquecido. Perante o poder de um gravador, conta o trabalho realizado para ajudar “as irmãs”, como descreve, no seu país. “Vamos a todo lado contar a nossa história. Estamos a tentar arranjar dinheiro, um microcrédito, para as ajudar.”

Reportagem final do YRAP:

Esta é a reportagem da fase final do concurso Young Reporters Against Poverty (YRAP). Foram hoje, sexta-feira, anunciados os três vencedores. Os estudantes vão agora viajar à Tanzânia, onde vão conhecer o presidente daquele país. Renata Silva foi a finalista portuguesa, seleccionada com a reportagem “ATACA: Como salvar a vida de uma criança africana com apenas 20 euros por mês”. Saiba tudo no blogue oficial da participante.

Com um nó na garganta, Nicole revela que a violência cometida pelos soldados ruandeses não se limita à prática de crimes sexuais. A activista explica que o exército também rapta crianças para fazer delas soldados. Uma realidade que ganha contornos ainda mais graves ao lermos um dos panfletos na mesa de Nicole onde se descrevem maus-tratos como “cortes das mãos e dos lábios”.

“Os maiores prejudicados são as mulheres e as crianças”, diz Emany

Kristalina Georgieva, Comissária Europeia para a Cooperação Internacional, Ajuda Humanitária e de Resposta às Crises das Mulheres revelou, num seminário realizado no Parlamento Europeu em Abril de 2010, que “os corpos das mulheres começaram a fazer parte do campo de batalha para aqueles que usam o terror como táctica de guerra”.

Também Nicole Emany, membro do Fórum Inter-regional das Mulheres Congolesas, não hesita em dizer que “ninguém quer saber” do que se passa com as congolesas. “Nem mesmo a União Europeia”, acrescenta. “É uma guerra económica. Porque é que a União Europeia não faz nada no Congo? Porque levam o nosso dinheiro e os nossos recursos minerais”, acusa. “Os maiores prejudicados são as mulheres e as crianças.”

Em Agosto do ano passado, David Smith, correspondente do “The Guardian” em África, relatava que centenas de mulheres e crianças tinham sido violadas em Luvungi, aldeia congolesa, durante quatro dias, perto da base das Nações Unidas. Uma crítica que é apontada num documento da organização “International Crisis“, onde se regista o “falhanço da solução militar” da ONU na RDC.

“O Conselho de Segurança das Nações Unidas testemunhou o deteriorar da segurança no leste do Congo sem se opor às decisões de Kagame [presidente do Ruanda]e Kabila [presidente da RDC]”, acusa a mesma fonte, após destacar que a reaproximação dos dois chefes de Estado, em 2008, não melhorou a situação no Kivu, uma das regiões mais perigosas do Congo, situada a leste do país.

UE silenciosa sobre o convite a Paul Kagame

Três meses depois das violações em Luvungi, Emany acusa a UE de apenas proteger “criminosos como Kagame”. Paul Kagame esteve no centro de uma polémica instalada durante os Dias Europeus do Desenvolvimento. O político foi convidado para uma conferência realizada a 6 de Dezembro sobre igualdade de género e combate à pobreza. “Não compreendemos como é que comunidades, especialmente a Bélgica, chamam Paul Kagame como especialista em género e pobreza”, lamentou Nicole.

A presença do presidente do Ruanda provocou, aliás, uma manifestação em frente ao edifício onde este evento teve lugar.

Quando questionado pelo JPN sobre o convite feito a Paul Kagame para participar nos Dias Europeus do Desenvolvimento, em Bruxelas, Charles Michel, ministro belga da Cooperação no Desenvolvimento e membro da presidência belga do Conselho da União Europeia, respondeu com silêncio.

“É um país tão grande, tão difícil de ajudar”, diz Charles Michel

Nicole lamenta ainda a falta de apoio da UE ao Congo. “Todos os países da Europa devem tomar medidas para nos ajudar, mas eles não querem saber”, insiste. Do outro lado, o responsável europeu admite que existe de facto uma tragédia naquele país e que é muito difícil lidar com a situação. “É um país tão grande, tão difícil de ajudar”, reconhece.

No entanto, evidencia Charles Michel, a União Europeia tem feito algum esforço para ajudar o Congo, nomeadamente através da assistência médica e do diálogo com Organizações Não Governamentais (ONG). Porém, no que toca às mulheres vítimas de crimes sexuais, ainda falta dar passos de gigante.

“A Bélgica e a União Europeia estão a apoiar programas de apoio à justiça (treino da polícia e dos seguranças prisionais para aumentar a sensibilização para os direitos das mulheres) e também de apoio à saúde, com a construção de um hospital”, afirmou o ministro belga da Cooperação no Desenvolvimento.

Contudo, apesar destas medidas, a ONU acusa a RDC de ser a “capital mundial das violações”.
A igualdade de género é um dos objectivos do milénio a alcançar até 2015. Faltam menos de cinco anos. A sistemática violação das mulheres congolesas e a aparente apatia perante o problema encurtam a margem de esperança. Por enquanto, o objectivo do milénio no Congo continua a ser a paz.