“Imaginem o aldrabão do governador de Aveiro. Olhem o negócio da extracção de areia. Que bem que cá se mente ao Parlamento, com que descaramento se aldraba o país”.

Foi desta forma que o processo judicial contra Joaquim Letria começou, num artigo de opinião publicado no já extinto jornal “24 horas”, a 25 de Setembro de 2001. O jornalista acusava Antero Gaspar, ex-presidente da Câmara Municipal de Castelo de Paiva, de ter mentido no Parlamento, aquando da comissão de inquérito criada para analisar a queda da ponte de Entre-os-Rios, que vitimou 59 pessoas em Março desse ano.

Joaquim Letria, depois condenado por difamação na justiça portuguesa, recorreu ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH). O jornalista declarou, esta semana, ao JPN que, após a sentença, se entrou “numa sucessão de decisões que envergonham Portugal e saem caras à justiça portuguesa”. Mas, para Letria, este caso “é bem a prova da importância de se não desistir”.

A sentença das instâncias europeias foi conhecida no passado 12 de Abril, dez anos depois. O TEDH condenou o Estado português a indemnizar o jornalista em cinco mil euros e afirmou que o uso da palavra “aldrabão” não constituiu um “ataque pessoal gratuito”, pois tinha “base factual” nas declarações contraditórias prestadas pelo ex-autarca na comissão de inquérito. Para o Tribunal Europeu, condenar o jornalista poderia “desencorajar” a promoção do “debate público nos media” e complicar a sua “missão de informar”.

Em relação à justiça portuguesa, Joaquim Letria considera que “quase se poderia pensar, em certos casos, que não havia independência do poder judicial, neste caso face ao poder político”. O jornalista acrescenta, ainda, que a “justiça que agora temos” e os processos contra os jornalistas “servem para pressionar os réus e as empresas”, reduzindo o empenho em contar a verdade. Em consequência, para Letria, “não se condiciona apenas a opinião. Barra-se e impede-se, muitas vezes, a revelação dos factos”.