Carlos Sá é um homem reservado mas com um sorriso simpático. Tem 36 anos, dois filhos e trabalhava numa empresa de limpezas verticais, mas está desempregado desde Março. Poderia ser um homem comum se não participasse em provas de extremo esforço físico no deserto e não fosse já considerado um dos melhores ultra-maratonistas do mundo.

O atleta de Barcelos, que conquistou o oitavo lugar há poucos dias na Marathon des Sables , uma das provas mais duras do mundo, acabou de consolidar o seu lugar como ultra-maratonista de elite mundial.

Como afirma o treinador, Paulo Pires, “este resultado é extraordinário, até porque o Sá é um tipo pesado para correr na areia. O marroquino que ganhou tem mais ou menos a altura dele e pesa menos dez quilos”, explica. E não fosse o “ritmo extraordinário” da prova deste ano, Paulo Pires acredita que Sá conquistaria, pelo menos, o quarto lugar.

Apesar de “suportar a dor quase até ao limite”, Carlos Sá passou por “situações muito difíceis” em várias das provas e expedições em que participou mas, principalmente, na Maratona do Deserto. No Perú, nas primeiras expedições, congelou os dedos dos pés. Quando ganhou o “Grand Raid des Pyrenees“, correu 40 quilómetros com o pé em carne viva. “Cada pedra que calcava mandava berros no meio da montanha, mas costumo dizer que a dor é passageira e a glória é eterna”, brinca o atleta.

“Desistir é a última das opções”

Já na “Marathon des Sables”, quase desmaiou nas etapas finais. Tinha os pés “completamente desfeitos” e as costas em carne viva, pelo roçar da mochila. E a higiene também passa a ser secundária. Em sete dias, lavou a cara duas vezes, “porque o salitre já não deixava abrir os olhos”, afirma Sá.

Em situações tão extremas, é muito importante a solidariedade entre os atletas, mesmo que tal nem sempre aconteça. Na etapa final, ajudou um concorrente directo ao Top Ten e ainda hoje trocam e-mails. “Ele começava a ficar para trás e quando gritava por ele, só me respondia: ‘fatigué, fatigu钝. Eu forcei sempre e ele acabou por vir comigo. Acabámos os dois com ritmos muito fortes e chegámos à meta de braço dado. Foi dos episódios mais bonitos, não só a nível de prova, mas a nível humano”, conta Sá.

Mas, como se todo o desgaste físico não fosse suficiente, há ainda a possibilidade de os atletas serem picados por escorpiões e cobras venenosas, ou até mesmo perderem-se no meio de uma tempestade de areia. “A MDS tem uma segurança espectacular mas, no ano passado, alguns atletas andaram perdidos”, relata Carlos Sá. “Um deles foi durante uma tempestade de areia e aí os helicópteros ou não sobem ou não têm visibilidade. Foi encontrado e salvo por uma tribo passado nove dias, a apanhar morcegos e a beber a própria urina”.

E, apesar de todos os riscos envolvidos, Carlos Sá não quer ficar por aqui. Esta foi a estreia que serviu para “conhecer as condições do terreno, as temperaturas, as estratégias e com elas voltar mais preparado para outra edição”, onde o objectivo é conquistar o pódio.