“Demos-lhe um livro aberto sem qualquer imagem, de pernas para o ar. Ele rodou-o e colocou-o direito. Eu e a minha mulher ficámos um pouco intrigados, porque ele, com ano e meio, não sabia ler e já tinha a percepção da posição das letras”. Foi este o primeiro sinal que chamou a atenção de António Vieira, director da Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger (ASPA) para a possibilidade do seu filho, agora com 17 anos, ser portador do síndrome.

Conta que os primeiros anos foram de “luta”, uma vez que o conhecimento do síndrome em Portugal é muito recente, pelo que a informação e a ajuda médica eram muito restritas. António Vieira lembra que, com cerca de dois anos, o filho ficava “sentado no parque sem brincar” e “não respondia” ao chamamento dos pais, mas “adorava folhear as revistas”.

A psicóloga Daniela Santos refere que os primeiros sinais que os pais, regra geral, observam são o “atraso ou a ausência de linguagem e o isolamento”, pelo que, quando as crianças ingressam nas escolas, os pais normalmente são alertados pelos professores, quando estes se “isolam e não procuram o contacto com outras crianças”.

Após António Vieira suspeitar que alguma coisa não estava certa com a saúde do filho, procurou ajuda médica. Mas a fase inicial não foi fácil. Conta que recorreu a inúmeros médicos, mas que todos “desvalorizaram” a condição do filho, dizendo que este poderia ser “sobredotado”. Após anos sem um diagnóstico concreto, António Vieira encontrou um psicólogo que falou, pela primeira vez, na possibilidade do seu filho ser portador do síndrome de Asperger.

A resposta tão esperada para o comportamento do filho finalmente chegou, mas acompanhada de “sentimentos contraditórios”. António Vieira lembra que, por um lado, foi um “esvaziar, porque, finalmente, tinha algo para lhe chamar” e, por outro lado, a sensação foi uma espécie de “desabar do Mundo”, principalmente pelas expectativas criadas em relação ao filho.

Perante o diagnóstico, muitos pais isolam-se por causa da dor e da maior necessidade de protecção dos filhos do exterior. Para a mulher, foi tudo “mais difícil”, pois tratava-se do seu primeiro filho. Como tal, o “luto” foi ultrapassado com “mais facilidade” por ele do que pela esposa. Mas, apesar das duras circunstâncias, hoje garante que ela “não troca o filho por nada”.

“Entrada na escola é sempre dramática”

As crianças Asperger não têm, necessariamente, de frequentar escolas de ensino especial. Contudo, Daniela Santos refere que a entrada na escola é sempre “dramática”, isto porque uma das características deste síndrome é o estabelecimento de rotinas. Estas, no contexto escolar, podem ser configuradas e podem provocar “alterações comportamentais”.

Apesar do facto da escola representar um factor de preocupação para os pais devido ao surgimento de novos desafios para os “aspies” em termos de socialização, a psicóloga sublinha que essas alterações podem ser “minimizadas com uma antecipação adequada” e com uma “maior motivação por parte dos professores para a aprendizagem”.

Contudo, Daniela Santos destaca que, “infelizmente, se tem assistido a uma diminuição de recursos humanos nas escolas” devido às actuais “políticas economicistas”. Apesar de tudo, afirma que já se têm observado “experiências de sucesso”, uma vez que apenas é preciso “boa vontade e conhecer bem estas perturbações” para que se consiga fazer um trabalho articulado com a família e com os técnicos.

“Gostam de estar isolados no seu Mundo”

O convívio com um portador de Asperger pode ser complicado. António Vieira destaca que, muitas vezes, pode não ser fácil lidar com os “aspies”, porque têm “rotinas” que não podem ser quebradas, “gostam de estar isolados no seu mundo” e isso pode “mantê-los à margem da sociedade”.

António Vieira refere ainda que o Asperger “não está na cara, mas existe”, porque os portadores têm um aparência absolutamente normal. É no comportamento “que a coisa vem ao de cima”, bem como a “dificuldade de lidar com eles”.