O cenário estava montado. Ou melhor, desmontado. Esta terça-feira teria sido o dia do encerramento do Mercado do Bom Sucesso (MBS), no Porto, para que, num futuro próximo, se iniciassem as obras de transformação do espaço em hotel, escritórios e mercado modernizado. Contudo, uma providência cautelar proveniente de alguns comerciantes do mercado permitiu que as portas continuem abertas pelos próximos dias.

Mas essa notícia só chegou depois de a hora de fecho (17h00) ter sido ultrapassada. Antes disso, o MBS fora palco de um dia estranho. O primeiro sinal disso mesmo esteve presente logo à entrada, com cartazes que acusavam e questionavam algumas personalidades políticas. Ainda assim, a revolta parecia não ser só dos comerciantes, mas também do clima. Isto porque, lá dentro, ficava-se com a sensação de que um tornado teria passado e levado até o que as bancas costumavam ter para venda.

Mas nem todas estavam vazias. Maria Emília ainda tratava de algum peixe, apesar do olhar cabisbaixo. “Têm sido horas de choro, porque há mais de 40 anos que cá estou e agora sou obrigada a ir embora”, desabafava a peixeira. Um pouco mais ao lado estava Ana Maria, ainda com alguma clientela. “Estão a aproveitar este dia para se despedirem”, dizia a comerciante. “Não concordo com a destruição deste mercado porque é um lugar de tradição do povo, tem o nosso carisma”, completava Ana Maria que partilhou ainda aquilo que, na sua óptica, deveria ser feito no MBS.

Para além do mercado “virado do avesso“, quem caminhava pelo interior do edifício não poderia deixar de reparar nos sons que ecoavam por ele. Uns mais agudos, outros mais graves, todos diziam respeito ao “esvaziamento” do mercado. Com as máquinas preparadas para tal, os homens punham “mãos à obra” e levavam o que quer que tivesse de ser levado.

Por perto desse barulho todo encontrava-se António Coelho. Florista no mercado há mais de meio século, manifestou a sua tristeza por toda a situação, e criticou as “falsas promessas” da Câmara Municipal do Porto. “Foi tirar a tigela da sopa e o pão ao pobre”, disse ainda. Quem também pelo mercado passou para transmitir a sua solidariedade, até porque não vive “só de futebol”, foi Manuel do laço. “Em pequenino, costumava passar por aqui e comprava bananas que metia no pão, para comer antes de ir trabalhar”, recordou.

Para que se perceba a estranheza do dia no MBS, até o habitual local de descargas passava a funcionar como sítio para cargas, já que era necessário não deixar nada no edifício. O que valia era que, entre estas manobras, a boa disposição ia reinando, como que a adivinhar a notícia da providência cautelar, talvez só alcançada depois de muitas preces. Para festejar, nada melhor do que a música de um violinista.

O movimento que não era aceite por alguns clientes

Mercado sem clientes não é mercado e, esta terça-feira, foram vários os que passaram pelo MBS para se “despedirem”. Maria da Luz é uma dessas pessoas que aproveitou para recordar os momentos passados no local mas, também, para criticar, a par de outros, o movimento “Mercado Bom Sucesso Vivo!”. “Já vêm tarde, não há nada a fazer”, dizia a cliente antes de conhecer a notícia que se avizinhava.

O movimento em causa é formado por várias pessoas, das quais consta Paula Sequeiros, socióloga e uma das impulsionadoras. “Nós estamos aqui desde 2009, mas a informação só chegou agora às pessoas, por causa da mediatização do caso”, defendeu Paula Sequeiros. “As nossas preocupações ao criar este movimento foram duas: a patrimonial, de preservação de um edifício modernista único como este e a protecção do comércio de proximidade que, ao contrário dos shoppings, não se encontra saturado e tem viabilidade”, sintetizou.