Isabel Pires de Lima ingressou, no ano lectivo de 1969/70, como estudante de Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, instituição pela qual se tornou professora catedrática e se doutorou em Literatura Portuguesa. Deputada desde 1999 e ministra da Cultura entre 2005 a 2008, a professora e especialista na obra de Eça de Queiroz conta, em entrevista ao JPN, como foi ser aluna da FLUP, mostrando o seu lado crítico relativamente a questões como a departamentalização. No ano lectivo que se avizinha, 2011/2012, Isabel Pires de Lima regressa à docência, com especial enfoque na Literatura Portuguesa moderna e contemporânea.

Como vê os 50 anos da Faculdade de Letras da UP?

O meu curso de licenciatura foi da primeira vaga. Daí para a frente assisti a um crecimento absolutamente exponencial da Faculdade de Letras, que chegou a ter mais de cinco mil alunos, nos anos 80. Estamos, neste momento, outra vez a aumentar os nossos estudantes. Foi um crescimento e uma diversificação imensa de áreas, desde estudantes a pessoal docente e à formação desse pessoal docente. Foi preciso, de facto, picar muita pedra. Com o 25 de Abril, nós, os professores jovens, fomos chamados às mil tarefas da gestão de uma casa.

Como era ser aluno da FLUP no início dos anos 70?

Apesar de todas as dificuldade, evidentemente que hoje há muito mais recursos para a investigação do que havia quando eu cheguei à universidade. Não há sequer possibilidade de comparação. Quando cheguei a Letras, a questão era termos os livros básicos na biblioteca para podermos trabalhar. Basta pensar que hoje só se entra na carreira universitária já com o doutoramento feito, o que significa que há meios para incentivar os jovens fazerem pós-graduações, mestrados e doutoramentos.

O que mudou nessa altura, com o 25 de Abril?

Assisti a uma coisa que hoje me parece um pouco nocivo, que foi a departamentalização da faculdade em muitos sectores, como era tendência nos anos 80. Foi-se criando uma multiplicação de departamentos, áreas de super-especialização, unidades de investigação, também tendencialmente muito sectorializados. Hoje estamos a assistir um bocadinho ao inverso. Provavelmente, o caminho será um esbatimento desta departamentalização. E é isso que espero, porque acho que cada vez faz mais sentido a criação de licenciaturas e de segundos ciclos que obrigam ao cruzamento entre várias faculdades, quanto mais departamentos. Também houve, evidentemente, um crescimento muito grande ao nível da criação, multiplicação e financimento de centros de investigação, através da Fundação para a Ciência e Tecnologia, mesmo sendo a área das ciências humanas e das letras claramente secundarizada na política de Ciência em Portugal.

Quando os quadros da Faculdade de Letras, como das demais instituições de Ensino Superior, estão quase fechados, a Isabel Pires de Lima vai regressar à docência. Como vê as dificuldades de acesso à carreira docente?

Esse é um dos problemas que me preocupa muito, o envelhecimento do corpo docente e dos investigadores – mais até de docentes. Há uma retracção muito grande e é grave que nós não consigamos encaminhar os nossos melhores estudantes para a carreira universitária. Estamos a assistir, um pouco como em todas as áreas da administrção pública, a um abandono precoce, com reformas antecipadas ou no limite mínino, quando a tradição na universidade era os profesores jubilarem-se. A transmissão dos saberes também se faz por testemunho pessoal e acho que é muito grave perdermos muito cedo os nossos docentes e, sobretudo, não conseguirmos fazer uma passagem de testemunho em presença.

É um desafio, voltar a dar aulas na Faculdade de Letras depois de um interregno de dez anos?

É um desafio novo, na medida em que tenho bem consciência de que a universidade que estou a encontrar hoje é substancialmente diferente da de há dez anos e certamente terei de fazer alguns exercícios de adaptação. Gosto de mudança. Não podemos querer reproduzir fórmulas de ensino de há décadas. Claro que isso é gerador de dificuldades ao professor e, por outro lado, há alguns dados que são bastante perturbadores no perfil dos alunos que nós recebemos, como o facto de terem sido treinados para fazer um exame, o do 12.º ano, num treino tendencialmente mais informativo que formativo. Não estou aqui a passar culpas para o grau de ensino anterior – que é uma tendência que todos nós temos -, até porque acho que muita da culpa disto decorre do Ensino Superior e da universidade, que se pôs de fora na aferição dos seus alunos.