Portugal atravessa, neste momento, uma grande crise. Acha que o jornalismo também está em crise?

É nestas alturas que o jornalismo é mais rico. Há mais notícias todos os dias, a nível económico. Quem dá emprego aos jornalistas, bem ou mal, são empresas. O Estado também é uma empresa e a RTP, neste momento, está em processo de privatização, o que vai implicar alguns cortes nos trabalhadores. Mas há sempre as pressões inerentes. Há notícias que é impossível dar na TVI, uma vez que há grupos económicos por detrás de nós. Há notícias que são impossíveis de dar na RTP, ou que são dadas de forma diferente. Na SIC é a mesma coisa.

Mas uma dessas condicionantes também pode ter a ver com a falta de financiamento, ou seja, a falta de publicidade.

Pois, é uma pescadinha de rabo na boca. Há menos dinheiro, as empresas investem menos em publicidade e, se o fazem, há menos dinheiro para pagar aos funcionários e, por isso, têm que mandar alguns embora.

É possível ser-se objetivo com tantos grupos económicos por detrás dos meios de comunicação social?

Eu acho que é possível. Falo por experiência própria. Já estive em dois sítios diferentes, na TSF e na TVI, e nunca ninguém me disse que eu não podia dizer isto ou aquilo. Obviamente que apenas posso relatar as notícias que me deixam fazer, mas sentir na pele que não pudesse fazer isto ou aquilo, isso nunca senti. Mas acredito que existam em Portugal muitas situações dessas.

A privatização da RTP vai trazer consequências para os restantes canais privados?

É óbvio que sim. Se isso de facto acontecer, a publicidade vai ficar menos dispersa, ou seja, o bolo que, neste momento, a nível de televisão se divide apenas entre a SIC a TVI e, eventualmente, a SPORT TV, vai ser dividido por mais um canal, que é a RTP. Toda a publicidade que a RTP tem, que é mínima, vai para os cofres do Estado. Não acontecendo isso, vai ter que se dividir por mais um canal e essa é uma situação que afeta os restantes canais. Aliás, alguns responsáveis da TVI já mostraram algum desconforto relativamente a essa situação.

Sendo assim, na sua opinião, a RTP não devia ser privatizada?

Eu acho que a RTP devia ser remodelada, porque de facto há situações que não se justificam. O despesismo que, por vezes, é notório relativamente à RTP é uma coisa que não tem explicação. E a RTP, excetuando o canal 2, não faz serviço público. Deviam modificar a programação por forma a torná-la de facto uma estação pública na sua essência, para servir os cidadãos portugueses.

Com toda esta crise que também afeta o jornalismo, ainda acredita no jornalismo como quarto poder?

Sim, acredito. Talvez em Portugal não tenha tanto poder como se esperava. Mas sem o jornalismo seria impossível divulgar algumas notícias. De certa forma, muitas situações são resolvidas pelo nosso trabalho do dia-a-dia. É sempre positivo haver estações privadas, como a TVI e a SIC, porque, havendo uma televisão do Estado apenas, querendo ou não, as pessoas vêm os acontecimentos de um ponto de vista muito específico.

Qual é a função de um jornalista atual?

Na sua essência, o jornalista continua a ter a mesma função que sempre teve, que é informar, relatar os factos. Mas essa realidade acaba por, muitas vezes, ganhar outra dimensão. Denunciando casos, mostrando a realidade aos portugueses. De certa forma, isso pode criar condições para que haja um contra-poder relativamente às situações que a comunicação social relata.

E o que é um bom jornalista no contexto atual?

É aquele jornalista que se deita ao final do dia com a consciência tranquila. Pelo menos é isso que me acontece todos os dias. É trabalhar muito. Ter noção que é preciso muito esforço e muito trabalho, muita dedicação, como é o meu caso. Acordar todos os dias às quatro da manhã não é fácil.

Se a situação económico-financeira se alterar, pensa que as empresas podem optar outra vez por contratar mais jornalistas e não depender tanto dos estagiários?

É óbvio que sim. Basta olhar para as tabelas de programas mais vistos e nos dez primeiros encontras sempre os jornais da noite. Ou seja, existe mercado para a informação em Portugal.

Há mais trabalho, o que não há é dinheiro para contratar profissionais.

Exatamente! O mercado está fechado, mas existe um défice enorme de jornalistas. Não existem condições para os estagiários estarem o tempo suficiente para se tornarem capazes de sair para a rua e fazer uma reportagem. É isso que falta. Hoje em dia os estagiários ficam aqui durante três meses. Depois vão para outro sítio que é completamente diferente e têm que se habituar. Espero sinceramente que com o final da crise, se abram as portas a mais jornalistas porque eles são precisos.

Até para o jornalismo ter mais poder em Portugal e para as pessoas começarem a acreditar mais no jornalismo. As pessoas acreditam?

Eu acho que as pessoas acreditam. Vêem uma notícia na televisão e acreditam imediatamente que é verdade. Aliás, já foi feito um estudo sobre isso: as pessoas acreditam mais nos jornalistas do que nos políticos. Mas não somos inocentes ao ponto de achar que o jornalismo e a comunicação social não são utilizados para passar mensagens políticas e empresariais. Muitas vezes nós próprios não damos conta mas a verdade é que isso acontece.