“Fiz a minha primeira prancha porque não havia nenhuma à venda”, começa Constantino. Na altura com 18 anos, “Chicco Russo” estudava Mecanotecnia. Hoje, aos 48, faz pranchas como profissão, na Póvoa de Varzim, um ofício que complementa com reparações em fibras de vidro e compósitos utilizados no fabrico de barcos e casas.

A arte de dar forma a pranchas de surf tem o nome de shaping e o artista é o shaper. Desde o fabrico das primeiras pranchas que é assim e, contra a corrente, este ofício nunca se industrializou. Continua a haver espaço para dezenas de oficinas no país, que fabricam apenas por encomenda. Para “Chicco Russo”, a explicação é simples: “industrializado existe no mundo, mas ninguém quer. É diferente”, afirma o shaper.

Neste setor, a personalização é a alma do negócio. “O cliente sonha, a prancha nasce. Há quem pense que as pranchas, sendo feitas à mão, são tortas. Não…por isso é que o shaper é o artista. Se for bom, ficam direitas”, garante.

Como negócio, as pranchas de surf já tiveram melhores dias. “O mercado nacional está a ser inundado com material estrangeiro, ainda por cima de fraca qualidade”, lamenta o shaper. “A melhor altura foi em finais do anos 90, início de 2000. Também tem que ver com a crise”, explica. É pela altura do Natal e no início do Verão que a oficina de Francisco vende mais pranchas, mas sempre para dentro do país.

“Não exporto. Atualmente, Portugal está a importar pranchas, não a exportar”, diz Chicco Russo, que acredita na capacidade de Portugal para ser um dos grandes exportadores mundiais. O problema, aponta, é “não ter preços” para competir com o mercado asiático.

“Para o surfista, a única coisa que a natureza tem é ondas”

“Surf e ambiente? Isso é terrível. É tudo à base de petroquímicos; tanto o bloco que é trabalhado (e dá origem à pranchas), como os revestimentos que se usam a seguir”, considera. “Chicco Russo” é mais um dos shapers que não acredita em materiais alternativos ao poliuretano, polímero que serve de base à prancha de surf: “as alternativas que existem não são viáveis”. Segundo o shaper, o aumento do custo é o principal fator que impede o setor de avançar por um caminho mais sustentável.

Por outro lado, também o shaper está exposto a riscos que resultam das várias etapas do fabrico de pranchas, desde a inalação de partículas tóxicas ao contacto com químicos cancerígenos. Para Francisco, a solução é simples: roupa de proteção e máscara. No entanto, não se sabe até que ponto estas medidas são eficazes e quais as consequências, a longo prazo, do contacto com estes materiais .

No que respeita a ecologia, o surf não se fica por aqui. Os fatos utilizados contêm plásticos derivados do petróleo, como o PVC. Também a parafina, que possibilita a aderência dos pés à prancha, é feita com base no combustível fóssil. “Chicco Russo” não tem dúvidas: em matéria ambiental, o surf não é diferente de outros desportos. E quando lhe dizem que o surf cria uma aproximação com a natureza e desenvolve uma consciência ambiental, a sua resposta é direta: “para o surfista, a única coisa que a natureza tem é ondas”.