Porquê Luxúria Canibal?

(Risos) No pós 25 de Abril, “Adolfo” era ainda muito associado a uma personagem da Segunda Guerra Mundial. Quando as pessoas me conheciam, imediatamente me associavam a essa personagem, de maneira que precisava de algo que, mantendo o nome, afastasse essa associação da cabeça das pessoas. Tinham de ser nomes suficientemente fortes para baralhar as pessoas. E, nesse sentido, o Luxúria e o Canibal funcionaram na perfeição. As pessoas ficavam de tal maneira baralhadas com o nome que nunca mais pensavam no Hitler.

Há algo que distinga o Adolfo Luxúria Canibal do Adolfo Morais Macedo?

Uma coisa muito simples: as palavras com que se escrevem os nomes. É evidente que o contexto em que os nomes surgem e são empregues variam. Utilizo o nome civil no meu trabalho profissional e utilizo o nome inventado no meu trabalho artístico.

É difícil conciliar o Direito com a Música? Nunca pensaste em abdicar de um em detrimento do outro?

Guimarães 2012

ADF: “Lançámos o projeto Krisis, onde trabalhamos com grupos distintos: pessoas com rendimento de inserção, bairros sociais tidos como problemáticos, escolas, idosos, imigrantes, associações. Queremos, com estas pessoas, preparar um espectáculo, com grande preponderância musical, mas de alguma forma multidisciplinar, para apresentar no encerramento da Capital Europeia da Cultura. É um projeto em que as pessoas se questionam sobre os seus próprios problemas e no qual esse questionamento é, depois, sublimado num trabalho artístico”.

Difícil não é. A música é um hobby, é festa nas horas vagas. Nunca pensei abdicar de uma em função da outra porque nunca quis pensar na Música como uma profissão. Sempre quis pensar na música como uma paixão à qual eu me possa entregar sem estar a fazer cálculos. Tenho a minha base de sustentação financeira na minha profissão, que por acaso é ligada ao Direito, mas podia ser ligada a outra coisa qualquer.

Quando foste estudar Direito para Lisboa, estavas à espera de encontrar um outro mundo?

Quando fui para Lisboa, pensava que a Universidade seria um outro mundo, um mundo de pessoas mais velhas e cosmopolitas, onde houvesse ideias. Quando ingressei na Faculdade de Direito tive uma grande decepção porque não encontrei essas pessoas. Encontrei pessoas sem ideias, laboriosamente estudantes que decoravam as doutrinas que lhes punham à frente.

Foi durante a década de 80 que a música começou realmente a fazer parte da tua vida. Tiveste alguns projectos, mas como é que nasceram os Mão Morta?

Os Mão Morta nasceram depois de um dos fundadores, o Joaquim Pinto, ter regressado de uma estadia de um mês em Berlim, com alguns contactos de bares onde poderíamos tocar e com a ideia na cabeça que tinha cara de baixista. É evidente que a história foi outra e ainda hoje estamos à espera de tocar em Berlim (Risos).

Como é que, depois de todos estes anos, se mantém toda esta irreverência?

Ser irreverente em Portugal é muito fácil; basta fazer coisas sem pensar se se vai ferir sensibilidades. Nós fazemos as coisas porque sentimos necessidade de as fazer, independentemente das consequências. E isso, em Portugal, pode facilmente ser pensado como irreverência.

O que é que queres dizer às pessoas quando cantas quase falando? Há alguma mensagem que tu ou os Mão Morta queiram transmitir?

A questão de utilizar uma voz mais próxima da spoken word tem a ver com as aptidões próprias para utilizar a voz. Uma pessoa, quando não tem aptidões para fazer como os outros, tenta sublinhar e explorar os pontos positivos da sua própria voz. É o que eu faço. Em termos de transmissão, não temos nada a transmitir porque não é esse o nosso papel. Gostamos de pensar que fazemos obras de arte e, na nossa perspetiva, uma obra de arte não tem mensagem.

Tens andado atento à emergência de novos artistas?

Não ando particularmente atento, mas também não ando com as antenas completamente em baixo. Mas prefiro deixar que a poeira assente para descobrir se as coisas têm, efetivamente, substância ou se não passou tudo de um mero hype.

O que é que um artista deve ter para que o consideres como tal?

É difícil porque há muitas formas de gostar de um artista. Mas é necessário que a sua obra, de alguma forma, me diga algo e me questione. Mas um questionamento que me dê a liberdade de encontrar respostas. É que não me agradam questionamentos que dêem respostas.

Existe alguma coisa que não tenhas feito e gostasses de fazer?

(Risos) Essa é uma pergunta interessante porque é uma pergunta que eu às vezes me faço e chego sempre à mesma conclusão. Eu nunca quis fazer nada. O que eu mais gosto de fazer é preguiçar. As coisas acabam por surgir por necessidade ou por interferência de terceiros. Não tenho rigorosamente nada feito que algum dia pensasse que gostaria de ter feito.