O terceiro e último dia das Correntes d’Escritas 2012 começou sob o tema “Da crise da escrita não se pode fugir”. Na 6.ª mesa, moderada por Onésimo Teotónio de Almeida, o escritor Carmo Neto declarou-se em crise de escrita salutar e o historiador João Pedro Marques falou da sua “escrita embebida em crise” lenta e penosa. Miguel Real descreveu uma história cheia de escritores, para quem a única solução foi o suicídio ou o exílio (fora do país ou dentro de si próprio, como no caso de Pessoa), graças aos contributos do poder político, em permanente inconformidade com o poder criativo.

Sandro William Junqueira descreveu-se “cansado de apanhar porrada da tabuada”, com regras monetárias castradoras da criatividade. Citou José Tolentino de Mendonça quando disse ser “necessária uma nova gramática do humano”. Valeria Luiselli, a jovem escritora mexicana, explicou que a expectativa sobre a produção literária do México é apenas sobre violência ou narcotráfico. Dos criadores do “realismo-mágico espera-se agora um realismo agressivo”, lamentou.

O poeta brasileiro Salgado Maranhão disse que “a desimportância da poesia é a sua grandeza”. Depois da epifania inicial, a crise serve, ao poeta, para confronto real que incita a busca da sua voz, e da síntese, que é o instrumento da poesia. “Num mundo onde a vida é visada do estômago para baixo” disse, “a poesia, porque não serve para nada, serve para tudo”, concluiu.

Os talentos da 7.ª mesa

Maria Flor Pedroso moderou a última mesa do Correntes: “As Ideias são fundos que nunca darão juros nas mãos do talento” foi o tema. Eugênio Lisboa começou por desmontar a charada, a citação de Antoine de Rivarol era afinal um erro de tradução. O aforismo correto seria: “as ideias são um capital que só dá juros nas mãos do talento”. Helena Vasconcelos afirmou-se incomodada pela “linguagem exótica”, a si estranha, que transita por todo o lado, às custas do estado da economia.

Gonçalo M. Tavares empreendeu uma “etimologia delirante” inspirada na contabilidade: “contar” um conto, a partir de memórias que se guardam e que se transformam no armazém mitológico que os escritores utilizam para construir as narrativas. Defendeu “descontar” como género narrativo, a exemplo da personagem de Machado de Assis, Brás Cubas, que narrou a sua vida quando já estava morto, invertendo a ordem natural da narrativa. O escritor alertou, por fim, para o potencial perigo e violência da contabilidade: ilustrou com as preocupações de Hitler, sobre despesa pública excessiva para pessoas com necessidades especiais, lembrando exemplos mais recentes. “Quando há pouco dinheiro a contabilidade é potencialmente o que vai eliminar os direitos morais. A moral é muito mais cara, ser humano também”, disse. “O que se considerou humano há 10 anos é hoje considerado prescindível por causa da contabilidade”, concluiu.

João de Melo partiu da infância para explicar uma relação com a escrita, baseada num sentimento de culpa. “Faço literatura em legítima defesa”, afirmou. “Hoje sou impelido a ter pena até dos ricos”, disse o autor de “Gente Feliz com Lágrimas”, para quem o escritor deveria ser uma espécie de deus, com poder de mudar a sorte a todos os desgraçados do mundo. Luis Sepúlveda falou sobre a diferença entre o talento e a genialidade, lamentando que os políticos aparentem não possuir nenhum dos dois, nem capacidade para perceber quando estes existem.

Para terminar, Onésimo Teotónio de Almeida, exerceu o seu talento em busca de significados possíveis para a frase mal traduzida, passando por piadas sobre judeus para chegar à história recente do país, na qual crescem juros e falta talento, concluindo que ideias sem fundo nunca deram juros em mãos sem talento.