O bairro Rainha D. Leonor foi construído na década de 50 e está dividido por duas freguesias. A rua principal, a n.º 1, é o que as divide: a parte da Foz do Douro, construída em 1953, e a parte de Lordelo do Ouro, de 1955. O senhorio deste bairro é a Câmara Municipal do Porto (CMP) que, com o projeto de reconversão do bairro Rainha D. Leonor, entregou, na semana passada, 60 casas novas, das 90 planeadas.

Contudo, as obras de requalificação só têm sido levadas a cabo do lado da freguesia da Foz do Douro. A oposição política portuense tem demostrado a sua preocupação com a situação do bairro. Manuel Pizarro, deputado e membro da concelhia do Partido Socialista (PS), considera que “a Câmara Municipal do Porto tem de decidir o que fazer daquele bairro”.

Algumas obras já feitas pela CMP são apoiadas pelo PS, que condena a lentidão do processo. “Estamos em desacordo com o ritmo, mas estamos de acordo com a intervenção de requalificação daquelas casas. Problema distinto passa-se com a outra componente do bairro. Além das moradias unifamiliares, tem um conjunto de cinco blocos habitacionais, com um total de 100 fogos, que estão ao mais absoluto e completo abandono.”

“A Câmara Municipal do Porto tem de definir o que quer fazer com o bairro e de clarificar isso em diálogo com os moradores”, exige Pizarro. “Proporemos, na próxima reunião, que, num prazo de 90 dias, a câmara explique o seu plano em relação ao Rainha D. Leonor”, completa.

PS Porto prepara proposta

A concelhia tem estado a visitar um conjunto de diferentes realidades habitacionais, para preparar um documento que será apresentado no executivo municipal. O PS Porto pensa que é necessária “uma política de habitação diferente para a cidade, que melhore a qualidade de vida dos moradores, que promova a reabilitação do edificado e que, ao mesmo tempo, atraia novos habitantes para a cidade. (…) Há um problema de degradação da cidade que é visível e há, também, um problema de perda de população muito significativo. Entre os Censos 2001 e 2011, o Porto perdeu cerca de 10% da sua população”.

Quanto à possível fusão das freguesias, o deputado considera que esta ação em nada deverá afetar a requalificação da freguesia. “Não quero acreditar que a câmara decidiu tratar um das partes porque estava numa freguesia e outra das partes porque estava noutra. Julgo que, na prática, isso não trará diferença nenhuma.” Opinião diferente tem o Partido Comunista (PCP). “Neste caso concreto, as coisas vão ser piores ainda”, diz Casimiro Calisto, membro da Assembleia de Freguesia de Lordelo e da direção da organização da cidade do Porto, pelo PCP.

“Com este processo de junção de freguesias, aquele argumento de proximidade de eleitores vai-se esbater. (…) Vai haver uma deslocação, uma menor proximidade entre as juntas de freguesia e as pessoas carenciadas. (…) Quem está mal, não vai ficar melhor”, acrescenta Casimiro Calisto, lamentando o esquecimento que se tem abatido sobre o Rainha.

Em entrevista ao JPN, Casimiro Calisto acrescenta que, na opinião do seu partido, “o bairro está a ser degradado propositadamente. Acho que existe alguma agenda escondida para aquela zona, que é uma zona magnífica, muito bem situada. (…) Os moradores não podem sofrer um processo de centrifugação, atirados para outros bairros, para aquele lugar estar disponível para gente com mais posses”.

Enquanto membro da assembleia de freguesia já levantou esta questão várias vezes, acrescentando ainda que “as pessoas merecem ter um tratamento correto, independentemente das suas posses. As pessoas não podem ser usadas conforme dá jeito à câmara. (…) A nossa preocupação maior não é com a parte qualificada. Estamos preocupados com a parte que está a ser esquecida”.

O silêncio da câmara relativamente ao futuro da parte não requalificada do bairro preocupa os partidos da oposição. “Este silêncio tem dois problemas: revela desprezo pelas pessoas que moram no bairro (…) e aquele lugar é bastante apetecível do ponto de vista urbanístico. Posso imaginar que seja mais fácil a simples destruição do bairro do que encontrar alternativas”, diz Manuel Pizarro.

A opinião dos moradores

Osvaldo Pinto, 60 anos, presidente da Associação de Moradores do Bairro Rainha D. Leonor, fala na demolição do bairro e consequente reconstrução como única solução para o problema. Osvaldo já mora no bairro há mais de 50 anos, mais dos que aqueles que se lembra. Osvaldo Pinto concorda com a união das duas freguesias em que o bairro se encontra, desde que seja para o “bem dos moradores”.

A situação geográfica do bairro é o foco de muitas discussões. Segundo Osvaldo Pinto, as diferenças entre a parte de Lordelo e a parte da Foz são visíveis, “até na maneira de viver”. No tipo de habitação esta diferença é claramente notória, o que afeta a qualidade de vida da população. A habitação social de Lordelo está mais degradada e a reconstrução levada a cabo pela Câmara Municipal do Porto só foi efetuada na Foz do Douro. “Na Foz, a câmara está a fazer o que prometeu. Acerca do outro lado, estão a estudar (…). Mas, na minha perspetiva, a única solução é a demolição”. As 60 casas requalificadas estão todas do lado da Foz.

A casa de Manuela Guedes tem um aspecto novo, depois de ter sido pintada mas, por dentro, a situação não é a mesma. “Choveu-me cá dentro. Estou aqui, mas não gosto. Não temos segurança nenhuma. O aspeto exterior novo é só fogo de vista”, declara. Acrescenta, ainda, que as novas casas inauguradas pela vereadora da habitação, Matilde Alves, no passado dia 2 de março, já têm “melhores condições no interior”. O problema de Manuela Guedes é o facto de a terem obrigado a sair da casa de onde morou durante mais de 50 anos, mudando-a para uma mais pequena, em detrimento de outra família. Vive agora na zona do parque, “contrariada”.