Anna Giordano, além de artista, é modelo e atriz. Tem já algum historial na produção de obras de arte interventivas e chocantes, mas é o projeto Vénus que está a dar que falar em todo o mundo. Com a ajuda do programa de edição de imagem Photoshop, modificou a deusa da beleza para uma mulher de cintura mais fina, curvas menos evidenciadas e formas visivelmente mais firmes.

Segundo a autora, a ideia surgiu como uma forma de intervenção para as suas jovens primas e sobrinhas. Anna Giordano usou o Photoshop para mostrar a facilidade de transformar uma vulgar foto na capa de uma revista de moda e o quão fictícias e ilusórias são as campanhas publicitárias atuais. Sendo ela própria modelo e conhecendo a lógica das produções fotográficas e da manipulação de imagens, a autora decidiu expôr as suas obras ao mundo.

Ana Gabriela Macedo, professora catedrática da Universidade do Minho e coautora do livro “Dicionário de Crítica Femininista” (2005), explica que o olhar estereotipado que temos sobre o corpo da mulher e a forma como este é representado não se pode explicar apenas pela influência da televisão e dos novos média, uma vez que as perceções implicam um “processo de hierarquização ao longo dos séculos”.

“No século XIX não havia televisão e já havia padrões estereotipados sobre a mulher”, afirma. Ana Gabriela Macedo admite que “algumas campanhas publicitárias e certos tipos de televisão servem para transmitir a imagem, mas não se pode dizer que sejam os únicos culpados”. “São séculos e séculos de estereotipagem”, defende.

Relativamente à técnica usada por Anna Giordano de alteração da pintura antiga, Lúcia Rosas, professora de história de arte da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), explica que este não é caso único, apesar de pouco ortodoxo. Segundo Lúcia Rosas, esta é uma técnica de desconstrução da obra de arte como algo sagrado em prol da crítica e da rotura com a normalidade, que começou ainda durante o século XX. Lúcia Rosas utiliza o exemplo da obra “L.H.O.O.Q“, a famosa Mona Lisa de bigode, de Marcel Duchamp, como uma obra de arte que se insere neste estilo.

Apesar de os meios terem mudado e a propagação agora ser muito maior e muito mais eficaz, graças aos meios de comunicação social e às redes sociais, a pintura como meio de intervenção é “uma tradição com mais de um século”, remata Rosas.