A viagem de ALTO! começa em Paris, passa de comboio em Praga e acaba em Cracóvia, mas não sem antes dar um pulinho ao Porto. Na Invicta, João Pimenta deslumbrou-se com a rua da Picaria, entre o café Candelabro e um restaurante turco.

Mas mais deslumbrante do que a rua era a mulher que lá vivia, com quem teve “histórias bonitas e feias” que culminaram num som em que não são necessárias palavras. “Picaria é o que alguém poderia ouvir na varanda de casa a fumar um cigarro, com um teclado a ser tocado no quarto ao lado”, explica João.

A rua da Picaria” é a nona faixa do novo álbum da banda barcelense ALTO!, formada por elementos dos Black Bombaim e Green Machine: João Pimenta (voz), Bruno Costa (guitarra/voz), Ricardo Miranda (guitarra/teclados), Tiago Silva (baixo/voz) e Paulo Senra (bateria). Mas apesar de ser a única música instrumental, não é a única que conta uma história. O álbum homónimo do grupo formado em 2008 é composto por dez músicas referentes a cidades europeias distintas, que contam histórias de vida e das viagens do vocalista João Pimenta, no alto dos seus 20 anos.

João e o chuveiro

Passados dez anos, Tiago Silva e João Pimenta – um aluno e outro ex-aluno de História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto – falam do álbum que demorou três anos a nascer mas que já é o menino dos seus olhos.

Editado pela Lovers&Lollypops, ALTO! “está a ser muito bem recebido”, diz João. Chalk Farm, a energética história de Londres é a faixa de eleição de Tiago, enquanto João prefere a psicadélica Garaplina, que pode ser uma rampa de lançamento para um futuro diferente.

O que ninguém sabe é que além deste álbum ter sido feito em três dias e não ter qualquer pós-produção, a voz de João percorreu os estúdios da Sá da Bandeira de alto a baixo – desde o vão da escada ao chuveiro. Sim, o chuveiro. João diz que “podia estar muito mais à vontade” e com os pés cheios de gel de banho “porque podia sair um som engraçado”. É esta a personalidade dos ALTO! – a loucura e o imprevisto – que pretendem agora espelhar num álbum por ano e que tanto os caracteriza ao vivo.

ALTO! são “90% de trabalho e 10% de inspiração”

Os ALTO! começaram no “bunker”, o nome carinhoso a que dão à garagem com dez metros quadrados forrada a esferovite, debaixo de um café de Barcelos. Agora é o estúdio por excelência, “o epicentro da cena de Barcelos”, conta João. Com um EP na bagagem, “See you in Hell, Ron” – em homenagem ao Ron Asheton, dos The Stooges – partiram em 2009 para uma tour em Espanha que se tornou numa autêntica aventura.

“Em Rayen tocámos para quatro ou cinco pessoas e duas delas eram os gajos do bar”, recorda Tiago. “Aí tens mesmo de dar o melhor concerto de sempre, até porque se essas pessoas forem embora, ficas a tocar para quem? Mas demos um concerto do caraças, as quatro pessoas compraram quatro cds e foi um momento muito importante para a carreira dos ALTO!”, diz João.

Foi de Espanha que trouxeram, também, o segundo EP: “Computer Says No!“, que foi todo gravado em analógico, no Circo Perrotti em Gijón, com material de 1967. “O tipo é mesmo um purista, lá não entra nada digital. Gravámos com um microfone de bateria que o Ringo Star usou em dois discos dos Beattles”, conta Tiago. Desde aí é concertos frequentes e cozinhar na estrada. “Nós costumamos cozinhar em sítios cénicos. Levamos um camping gás e aqui o Tiago é o chefe”, conta João. E a ementa vai da bolonhesa ao arroz solto, seja no Castelo Medieval de Penafiel ou no Cromeleque dos Almendres, em Évora.

Quanto ao público português, os dois músicos não têm dúvidas: é muito mais exigente com as bandas nacionais. “É preciso seres três ou quatro vezes melhor do que uma banda estrangeira para que o público português diga: ‘Ah, isto nem parece português!’ Quando dizem isto quer dizer que acabaram de aceitar a banda como uma banda boa”, explica João. Diz ainda que se os ALTO! fossem de Lisboa, tinham tido muito mais oportunidades até agora, mas é no norte que estão os palcos de sonho. Entre os festivais, elegem o Paredes de Coura, em salas fechadas é sem dúvida o Hard Club, onde contam chegar já este ano.