A beleza natural e monumental da cidade Invicta guiou Carlos Romão para a criação do blogue “A Cidade Surpreendente”, em 2004. Na altura em que surgiu o boom dos blogues, Carlos Romão aliou o gosto que tinha pela fotografia, herdado do pai, às coisas boas que o Porto tem: “O meu pai era um excelente fotógrafo amador, sempre gostou de fotografia, e eu comecei com doze anos. A partir daí fotografei sempre”. Se o “A Cidade Deprimente” lança o grito de alerta, o “Surpreendente” enfatiza o que de melhor tem a invicta.

Neste espaço, pretende publicar “muita coisa”. “Por vezes deparo-me com situações interessantes na cidade e fotografo. Outras coisas têm sido programadas. No fundo, aquilo é a minha vivência da cidade. E é isso que eu transmito, um olhar pessoal”, explica. Carlos Romão não considera que a alma tripeira e a espontaneidade da cidade do Porto estejam desaparecidas, mas pensa que “se manifesta de outra maneira. Talvez mais através do futebol”.

Preocupado com a degradação da cidade do Porto, o designer gráfico coloca a sua maior preocupação na Baixa. “É a zona mais problemática. Sobretudo o centro histórico, que está num estado confrangedor. Está completamente ao abandono. As iniciativas que têm surgido para contrariar esse abandono são individuais, das pessoas, da chamada sociedade civil”, comenta. Sobretudo no bairro da Sé, aquele que ficava dentro da antiga cerca.

Contudo, parece que não é só o centro do Porto que é esquecido e do qual têm partido milhares de pessoas. “Lisboa está num situação parecida com a do Porto. Está a perder habitantes. Há uns anos tinha 800 mil, neste momento tem metade. E tem um centro que também está a cair”, compara.

Carlos Romão teme, também, a falta de civismo e destaca estas más atitudes como uma das razões da degradação da Baixa, aliada à falta de vigilância. “A cidade está suja, maltratada. Mas é também da responsabilidade da Câmara Municipal do Porto, porque a colagem de cartazes suja a cidade e dá-lhe mau aspecto”. Condena igualmente a privatização de alguns serviços de limpeza das ruas.

No mundo dos blogues há oito anos, Carlos Romão admite já ter recebido mais feedback da população do que o que recebe hoje. Considera que a quantidade imensa de espaços existentes é razão para isto. Contudo, não tem deixado de ter referências na imprensa e de despoletar movimentos. “Algumas questões abordadas no blogue passaram para a Internet e depois para a imprensa. Falo daquele movimento da Escola da Fontinha. Nunca tinha visto em lado nenhum nada sobre a Escola da Fontinha e houve uma moradora que me escreveu um lamento, um grito de alerta, e eu publiquei. Outros pegaram naquilo, por exemplo o Baixa do Porto, e depois foi para a imprensa escrita”, conta.

A reorganização administrativa e a movida noturna

Carlos Romão também falou ao JPN das recentes questões que têm abalado a vida portuense e nacional. A reorganização administrativa tem incluídas, para o bloguer, problemas de identidade. “Não faz sentido juntá-las e dar um novo nome. Isso é atraiçoar a memória da cidade”, diz. Acrescenta ainda que “a fusão de freguesias não vai resolver nada. Para resolver os problemas de ordenamento de território do país era começar por cima”.

“Há uma parte da cidade que está completamente ao abandono, mas nunca nenhum executivo – talvez com a exceção do Fernando Gomes – deu importância nenhuma à parte oriental da cidade. Campanhã está completamente ao abandono, é como se não existisse. É como se pertencesse a outra cidade”, remata.

Carlos Romão considera também que só a oposição fora do Partido Socialista parece apresentar soluções viáveis. “Houve uma presidência muito ativa, muito boa para o Porto, que foi a do Fernando Gomes. Depois segui-se o Nuno Cardoso que, quanto a mim, foi inoperante. A oposição que apresenta alternativas válidas é a oposição do Bloco de Esquerda e foi o deputado Rui Sá, da CDU, enquanto lá esteve, que se tornou de facto notável, com a oposição sistemática que fez ao poder instituído na Câmara do Porto, reflete.

Falando do comportamento cívico dos cidadãos, a movida noturna tem estado no centro das atenções. “Eu sou completamente a favor da festa. O que me desagrada é o comportamento das pessoas que deixam tudo sujo (…). Já que as pessoas não têm uma atitude cívica para com a festa na rua, porque no fundo é da rua que se trata, têm de ser impostas regras e essas regras, geralmente quando são impostas, não são o melhor para a festa. Vão ser contraproducentes. Mas isso tem que ser feito”, considera.

O autor do “Cidade Deprimente” não tem qualquer pretensão de que as entidades políticas vejam o blogue: “é dirigido às pessoas como eu que se interessam pela cidade e esse é que é o meu público.” O maior desejo que tem para o Porto é a reabilitação da Baixa, para que as pessoas voltem ao centro. “Não tenho pretensões que a cidade volte a ser o centro financeiro que já foi outrora, porque muitos não vão deixar. Mas se o Porto tiver pessoas na Baixa reabilitada, isso seria excelente”, confessa.