Miguel de Cervantes escreveu que “o xadrez é semelhante à vida” e, para os jovens universitários com quem o JPN falou, é esse mesmo o caso. Ariana Pintor e Hugo Soares estudam e praticam este jogo, considerado uma modalidade desportiva, que já teve direito a clube universitário, do CDUP. Os jovens são ambos federados. Ao que o JPN conseguiu apurar, a modalidade não teve filiados no CDUP este ano e o clube de xadrez já não é tão falado como antes.

A forma atual do jogo surgiu no sudoeste da Europa, na segunda metade do século XV. A sua origem remonta ao Egito e passa para os países árabes. Foi inspirado também no chaturanga, um jogo indiano do século VI d.C.. Uma atividade mental bastante reconhecida, o xadrez ajuda a desenvolver sobretudo o raciocíno matemático.

“Há coisas que são comuns ao xadrez e à matemática, nomeadamente o raciocínio dedutivo, a capacidade de desenvolver raciocínios e tirar conclusões”, mas “o xadrez não é um jogo puramente dedutivo. Há muito da psicologia no xadrez, uma parte importante do jogo”, explica Pedro V. Silva, professor do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP).

Hugo Soares é finalista do curso de Engenharia Mecânica na Faculdade de Engenharia da U. Porto (FEUP)e começou a levar o xadrez a sério aos 16 anos, através de um amigo. Neste momento tem 23 e está a jogar no AC Alfenense, que está na 3.ª divisão distrital. Hugo já jogou futebol e viu no xadrez uma oportunidade de conciliar o desporto físico com o mental. Aprecia também a flexibilidade do xadrez. “Posso jogar em casa, na faculdade, no computador ou no telemóvel”, diz.

“Gosto porque envolve muita estratégia. Jogamos tanto a nível de clubes, como individual”, acrescenta Hugo, que venceu torneios a nível individual. Existem rankings individuais, campeonatos e seleções nacionais e taças. Os clubes também estão em divisões, como no futebol, por exemplo. O estudante tem um blogue, onde dá conta de torneios e resultados e faz análises.

Concentração e raciocínio

“O xadrez é um desporto que obriga a estar concentrado. Obriga-te a estar preparado e a antecipar o que se vai passar. (…) Mudou a visão que eu tinha de algumas coisas, não tão linear, mas mais outside the box. Deu-me a oportunidade de estar agora a estudar engenharia onde, se calhar, muito provavelmente, não ia estar”, se não fosse o xadrez, reflete. Em épocas de exames, Hugo alterna o xadrez com o estudo, o que o ajuda na concentração e no desenvolvimento do raciocínio matemático de que necessita no curso.

No Porto existem muitos torneios, maioritariamente para os mais jovens. “Há uma tentativa de atrair os jovens para o xadrez. Ainda assim, quando vemos as equipas nos campeonatos nacionais, quando o nível competitivo já é outro, a idade é maior”, explica Hugo. Pedro V. Silva confirma esta tendência, em que a média de idade de jogadores é “à volta dos 30 anos”. Na Invicta, os que mais se destacam são o Grupo de Xadrez do Porto e a Associação de Xadrez do Porto.

O professor da FCUP também é jogador a nível federado e ainda pratica xadrez, embora menos do que há alguns anos. “Pratiquei bastante até acabar a licenciatura, em 1987. (…) Neste anos fui campeão absoluto do Porto duas vezes e fiz parte da equipa do CDUP”. O docente considera que, hoje em dia, em Portugal, “o xadrez é uma atividade puramente profissional” e perdeu o estatuto amador que antes era praticado, sobretudo a nível universitário. “É impensável um clube como o CDUP competir hoje em dia a este nível [profissional]”, refere.

Como é confirmado por Hugo Soares, a maioria dos jogadores de xadrez são estudantes, ou da FEUP ou da FCUP. Ariana Pintor, 23 anos, está a estudar na FEUP, no programa doutoral em Engenharia do Ambiente. Começou a jogar xadrez aos cinco anos. “Foi o meu pai que me ensinou. (…) Aos 8 anos comecei a ter aulas numa escola, na Associação Cultural Os Gambozinos. Foi o meu primeiro clube e foi a partir daí que comecei a competir”, conta Ariana que, neste momento, pertence ao Grupo de Xadrez do Porto.

Valorização do xadrez

Jogadora, tanto a nível individual como coletivo, Ariana tem participado no Campeonato Nacional Feminino e em vários campeonatos internacionais representando Portugal, como a Olimpíada de Xadrez na Rússia. Considera que o xadrez “não é uma prática valorizada no país, embora seja um jogo bastante reconhecido pela sociedade”.

No entanto, acrescenta que “todos beneficiaríamos se a sociedade não visse o xadrez como uma atividade para ‘bichos do mato’ ou génios, mas sim como é, ou seja, um jogo extremamente rico acessível a qualquer um, que pode enriquecer a vida de qualquer pessoa”. Hugo Soares partilha desta opinião, mas louva os esforços que têm sido feitos a nível escolar e universitário “para mudar a imagem do xadrez”, bem como a nível de alguns clubes nacionais.

Da mesmo opinião é Pedro V. Silva, que também considera que qualquer área do ensino beneficia do xadrez. “A componente de estratégia é útil para toda a gente”. A profissionalização não é algo que Hugo Soares preveja. “A nível profissional é difícil, porque o que costuma acontecer aos jogadores com maior capacidade é ter de ir jogar para Espanha, onde há prémios monetários”, explica. Em Portugal, viver só do xadrez “não é uma realidade.”