Bruno Neves começou a trabalhar muito cedo na loja de fotografia do pai, na rua de Santo Ildefonso, no Porto. A Foto Neves Lda. constituiu o primeiro contacto do portuense com a imagem. É dele uma das mais famosas fotografias de desporto de sempre: a do golo de calcanhar de Madjer, na final da Taça dos Campeões Europeus em 1987, vencida pelo Futebol Clube do Porto.

Iniciou a carreira como fotojornalista profissional aos 38 anos, depois do trabalho realizado no dia 25 de abril de 1974. Era para “A Capital” que colaborava periodicamente antes dessa data. Na noite de 24 para 25 deslocava-se para casa na rua Pinto Bessa e foi mandado parar pela polícia, já na rua do Bonfim. Depois de se ter identificado como jornalista, mandaram-no ir para casa porque havia uma revolução em curso.

Um dos nomes mais icónicos da fotografia portuguesa, Alfredo Cunha, teve no 25 de abril de 1974 a sua primeira grande reportagem. Tinha 20 anos em 1974: “ter 20 anos e fotografar uma revolução é um privilégio”, reflete.

A trabalhar n’ “O Século” e na revista “Século Ilustrado” desde 1972, recorda que, “nessa altura, a revista tinha grande prestígio a nível fotográfico, era chefiada pelo Eduardo Gageiro”.

Tal como Bruno Neves , a fotografia veio do negócio de família, até que enveredou pelo jornalismo. “Comecei a minha carreira em 1968, na área da fotografia comercial com o meu pai, que era fotógrafo. A fotografia já está na nossa família há três gerações”, diz.

O dia 25 de abril

“Tive que encostar o carro e descansar porque nem me estava a sentir bem”, relembra Bruno Neves. Depois do susto inicial, recorda que decidiu ir buscar todo o material que tinha no estabelecimento do pai e foi fotografar“. Mesmo com o sentimento de apreensão que também se lembra de ter visto nos militares. “Quando viu que era jornalista disse-me: faça de conta que eu não disse nada, desande daqui para fora. Eles sabiam lá o que lhes tava destinado.”

“Naquela altura, eu e alguns colegas andámos pelas redondezas e as pessoas estavam apreensivas. Ninguém percebia o que se estava a passar” , conta Bruno Neves. A felicidade reinava, quando a meio da tarde a população portuense se apercebeu do que se tinha passado. “Eu não acreditava no que se estava a passar”, relata com emoção. Foi na rua do Heroísmo que fez grande parte do trabalho fotográfico, porque eram lá as instalações da Direção Geral de Segurança (ex-PIDE).

O seu trabalho fotográfico neste dia foi solicitado por diversos jornais e a partir daqui começou a trabalhar em permanência para “O Primeiro de Janeiro”. “Fui trabalhar para o ‘Janeiro’, deixando de parte por completo o negócio da fotografia.” Ao longo da carreira passou também pelo “Jornal de Notícias” e pel’ “O Jogo”, destacando-se na fotografia de deporto. Lembra-se bastante bem da enchente nos Aliados, na tarde de 25, que marcou o dia.

Alfredo Cunha foi dos primeiros jornalistas a chegar ao Terreiro do Paço naquela manhã. Bem no centro do acontecimento, tirou algumas das mais icónicas fotografias da revolução. “Estava em casa a conversar com o meu irmão, estávamos a ouvir música e de repente ouvimos as comunicações. Mas já sabíamos que estava alguma coisa para acontecer, já há um ou dois meses. (…) Ninguém me chamou. Fui direto para lá. Às cinco da manhã estava no jornal e às sete já estava no Terreiro do Paço”, recorda.

“Estava-se à espera de qualquer coisa, mas foi sempre engraçado. Foi uma surpresa. Refiro-me ao engraçado porque eu estava a ouvir um disco novo que nunca tinha ouvido, o ‘Riders on the Storm’, dos The Doors, e ouvi pela primeira vez quando já era dia 25 de abril. É uma música que me tem acompanhado a vida toda.”

“O medo inicial transformou-se. Foi um dia de trabalho normal, dentro daquilo que podem ser as relações entre os jornalistas e os assuntos a tratar. Foi um dia fantástico, muito produtivo, muita fotografia, muito assunto para fotografar, embora eu hoje ache que fotografei pouco”, conta Alfredo Cunha, que gastou cerca de 40 rolos de fotografia naquele dia.

Além de ter acompanhado os acontecimentos na capital, foi à chegada de Mário Soares do exílio e à libertação dos presos políticos em Peniche. Destaca um acontecimento que traduziu muito do que se passou nos tempos seguintes. “Há um indivíduo que chegou com o carro a alta velocidade e parou junto dos militares. Tirou uma identificação e disse: ‘O que se passa aqui? Sou da Direção Geral de Segurança!’ e foi logo preso”.

O fotógrafo, que foi fotojornalista e editor fotográfico do “Diário de Notícias”, não consegue escolher a melhor fotografia tirada nesse dia. Alfredo Cunha é o autor da icónica fotografia de Salgueiro Maia.

Do 25 de abril ao 1.º de maio de 1974

Estes dois fotojornalistas fizeram também a cobertura do primeiro 1.º de maio, em que o sentimento geral era de liberdade e alegria. Bruno Neves destaca que, no Porto, “foi um espetáculo. Não há memória de tal acontecimento.” Via-se “o povo bem vestido”, apesar de alguma apreensão em “pisar os jardins dos Aliados”, que existiam na altura.

Em Lisboa, apesar de bastante maior em termos populacionais, o sentimento não foi diferente. “O 1.º de maio de ’74 foi muito bom, parece que foi ontem, que não passou o tempo. O sentimento das pessoas era de grade alegria, de grande felicidade”, relembra Alfredo Cunha, cuja carreira foi praticamente inaugurada por estes acontecimentos.

O fotojornalismo: passado e presente

“O fotojornalismo em Portugal é aquilo que sempre foi, com as dificuldades do costume. Portugal é um país pequeno, um país pobre. Quando eu entrei para a profissão disseram-me assim: ‘Eh pá antigamente é que era bom’, que é exactamente o que dizem agora. Nós vamos ser aquilo que formos capazes de fazer. Mas é difícil”, opina Alfredo Cunha.

Bruno Neves lamenta as dificuldades que o jornalismo enfrenta hoje em dia. Mas também salienta a escola de jornalismo que foi – e é – o norte do país: “Portugal é um país tão pequenino e teve excelentes jornalistas. O JN foi o epicentro de excelentes jornalistas. (…) Agora, os fotojornalistas já não são repórteres de jornais. Estão em organizações.”

Sem querer entrar em análises políticas, Bruno Neves destaca que, tal como naquela altura, é preciso coragem para pegar na câmara e avançar. “Não morri por sorte”, acrescenta, ao lembrar alguns acontecimentos do Verão Quente que se seguiu. “Se quisesse, podia estar cheio de dinheiro. Mas fui para aquio que nasci para fazer. E disso não estou arrependido”, remata. Alfredo Cunha sabia que algo importante estava a mudar a história do país: “tinha consciência do momento. Sabia que era muito importante. Havia uma consciência que eu tinha: tinha de fotografar.”