A liberdade de imprensa é, em Portugal, relativamente recente, sendo que só em 1974, com a Revolução dos Cravos, é que os meios de comunicação deixaram de ser “vigiados” pelo Estado. Mas será que o “lápis azul” desapareceu definitivamente? Ana Cabrera, investigadora do Centro
de Investigação Media e Jornalismo (CIMJ), acredita que “a censura tal como a conhecemos no
tempo do Estado Novo é uma coisa muito particular que não regressa daquela maneira”, exceto se o “regime político se alterar”.

Contudo, atualmente, assiste-se a outro tipo de censura, nomeadamente através de pressões sob os jornalistas. Os tempos de crise parecem propícios a um maior controlo sob os meios de comunicação, sendo Ana Cabrera da opinião de que “há uma maior tendência para silenciar os meios de comunicação e para afastar personagens que não são agradáveis”.

Já José Manuel Fernandes, jornalista e antigo diretor do jornal “Público”, tem uma visão oposta. O jornalista julga que isso não se verifica visto que “há um grande foco da comunicação social em tratar os temas da própria crise económica”. A opinião de Alfredo Maia, presidente do Sindicato de Jornalistas e jornalista do “Jornal de Notícias”, é semelhante à de Ana Cabrera. O jornalista afirma que “apesar do Sindicato não ter recebido queixas de jornalistas censurados” isso não quer dizer que não aconteçam, visto que os jornalistas podem entrar num processo de “autocensura” com receio de “afetar certos interesses e de ferir certas suscetibilidades”

Há, contudo, algo em que os entrevistados parecem concordar: na influência que as empresas que detêm os media exercem sobre os mesmos. José Manuel Fernandes revela que, enquanto foi diretor do “Público”, não existiram pressões por parte da Sonae, grupo que detém o jornal. Contudo, admite que haja empresas sem “agenda” definida e, segundo o jornalista, nesse caso “ficam algumas dúvidas sobre os interesses genuínos desses negócios”. Alfredo Maia é mais assertivo e critica algumas “práticas incorretas” por parte de orgãos de comunicação estrangeiros que acentuam a “suspeita” por parte dos cidadãos e que, “veio a revelar-se depois, estarem a promover interesses dos seus proprietários”.

ERC criticada por ligação ao poder político

A relação entre a Entidade Reguladora de Comunicação (ERC) e o poder político também é fortemente criticada. O facto de os membros do Conselho Regulador serem nomeados pelo Estado é visto como um fator suspeito face à isenção do organismo. Alfredo Maia defende que a ERC deve ser o “último reduto do escrutínio, pelo Estado, das práticas das empresas de comunicação” e quer que, no organismo, estejam presentes elementos da sociedade nas suas “múltiplas componentes (universidades, instituições sociais, etc) e representantes eleitos pelos jornalistas”. O jornalista do JN afirma que isso estaria de acordo com o que é aconselhado pelo Conselho da Europa e que, em Portugal, não é cumprido.

Ana Cabrera também nutre uma suspeita pelas entidades reguladoras no geral, sendo que julga que “se são nomeados pelo governo é porque não são entidades independentes”. A investigadora do CIMJ acha que “as entidades reguladoras em Portugal não vão diretas ao assunto e não funcionam muito bem porque estão comprometidas com o poder político”. Já Alfredo Maia dá um exemplo notório da ingerência do poder político na ERC. O sindicalista indica que a influência partidária vai tão longe que o presidente do Conselho Regulador é nomeado pela “cúpula partidária” – e deveria ser pelos membros desse mesmo orgão. Carlos Magno, atual presidente da ERC, quando confrontado com estas acusações, preferiu não prestar declarações.

Em apreciação por parte da ERC, que entretanto já emitiu um comunicado, estava o caso de suposta censura do jornalista Pedro Rosa Mendes. O antigo cronista da RDP fez, num dos seus trabalhos, críticas a Angola tendo visto, segundo o mesmo, o seu espaço de antena cortado.

Apesar de afirmar que a “indepêndencia da RDP não dever ser posta em causa”, Alfredo Maia refere que “a forma como os esclarecimentos têm sido prestados” servem para adensar a “suspeita” face à opinião pública. José Manuel Fernandes segue a mesma linha de pensamento. O ex-diretor do “Público” é da opinião de que, com base nas “declarações dos responsáveis”, houve uma “nítida relação de causa efeito entre a crónica e o fim da participação do cronista”.

PCP “tem razões de queixa” acerca da sua representatividade nos média

Há, regularmente, queixas acerca da representatividade dos partidos políticos nos meios de comunicação. José Manuel Fernandes dá razão ao Partido Comunista Português (PCP) quando este afirma estar subrepresentado nos média. “O PCP não é bem visto na maior parte das redações”, o que não acontecia “há 20 ou 30 anos”, revela o jornalista. Segundo José Manuel Fernandes, “o PCP defende classes que, provavelmente, não lêem os jornais” e, por isso, não possuem atração económica para os media.

No oposto da balança encontra-se o Bloco de Esquerda (BE). Este partido tem, segundo José Manuel Fernandes, “um tipo de discurso que cola muito com a cultura dominante nas redações”. O ex-diretor do “Público” é perentório: “os jornalistas, mesmo quando querem ser independentes, deixam-se influenciar pela sua visão do mundo”.

A relação do Estado com os média também é alvo de análise por parte de José Manuel Fernandes. O jornalista refere que, no anterior governo, o “condicionamento da informação, especialmente na RTP, era uma verdade”. Apoiado na sua experiência, José Manuel Fernandes, revela que “sempre que saía uma estatística qualquer” que contrariasse o executivo de José Sócrates, “havia a manifestação de disponibilidade de um qualquer membro do governo prestar declarações”. Por isso, diz o ex-diretor do “Público”, os jornalistas ficam “condicionados”.

Que pode um jornalista fazer para contrariar toda esta maré? Para Ana Cabrera, a resposta é simples: “tudo depende da coragem que tiverem”.