Em duas ilhas açorianas – Corvo e Flores -, os habitantes pagam tanto de Internet como os restantes ilhéus, mas têm menos velocidade de acesso. Os serviços de telefone fixo e móvel também apresentam fraca qualidade. Nelson Fraga, uma das vozes mais ativas na luta por um melhor acesso, explica que o problema se deve ao facto de o acesso nestas duas ilhas ser garantido por uma ligação de satélite da Portugal Telecom (PT), enquanto que o restante arquipélago já é servido por fibra óptica.

Nelson Fraga considera que deve “haver uma noção” de como esta questão afeta ilhas que vivem tanto do turismo e cujos habitantes e empresas precisam de comunicar por email e disponibilizar “sites com boa qualidade visual”.

A área do turismo é apenas um exemplo, uma vez que o próprio acesso pessoal, para meras atividades do dia a dia que parecem tão simples – como receber um documento em pdf via email ou ver um vídeo no Youtube – são quase atividades épicas que podem demorar entre 20 minutos a uma tarde inteira, respetivamente.

“Ver um vídeo no Youtube durante o dia é praticamente impossível”, diz Nélson Fraga. “Colocamos em pausa, para ficar a carregar, e depois tentamos no final da tarde, passadas três a quatro horas”, continua. “Só de madrugada é que é relativamente acessível” ir ao Youtube. As empresas têm dificuldade “em dar vazão aos emails”, sobretudo se em anexo vierem documentos “corriqueiros” de poucos megabytes, que demoram “15 a 20 minutos” para descarregar.

Fraga diz que não há maneira de contornar o problema, apenas continuar a lutar. “Andamos a ver se, por via das petições, conseguimos pressionar o governo a tomar uma decisão”, refere. Os custos, além da ligação à Internet, incluem sempre o telefone fixo, pois sem ele não podem estar ligados à rede. “Senti-mo-nos ultrajados e enganados como consumidores”, acusa.

Segundo Nelson Fraga, a “PT oferece um serviço miserável”, sendo a única a operar na zona,
pelo que os habitantes não têm “outra opção”. As culpas são divididas entre o Governo
Regional e o ministério da Economia. “Neste pingue-pongue de acusações, as populações é que ficam a perder”, comenta.

O “senão patético” do Interior

“Ninguém acreditava que os jovens se fixassem aqui”. Quem o diz é Moisés Pêra Esteves,
presidente da Junta de Freguesia de Atenor, distrito de Bragança. Nesta aldeia há “péssima Internet, péssimo serviço de telefone” e uma percentagem de cerca de 30 a 40% de jovens – estudantes ou a tentar o seu negócio.

“Não conseguimos atingir um megabyte de velocidade e acontece levantarmos o auscultador do telefone e ouvirmos outras pessoas a conversarem”, explica Moisés Pêra Esteves, apontando a existência de uma “fraca capacidade da linha telefónica”, cujo cabo é demasiadamente fino, antigo e “bastante danificado”, assim como o restante equipamento de telefone e Internet.

Moisés Pêra Esteves conta que lida todos os dias com os jovens da área e que o tema habitual das conversas é que “a Internet está má”. Uma simples pesquisa na Internet ainda se faz. O problema está mesmo nos conteúdos mais pesados como vídeos e ficheiros. A população tem que se deslocar a localidades vizinhas para poder enviar trabalhos, por exemplo, o que “causa transtorno”. Existe, também, a obrigatoriedade de possuir telefone fixo, o que representa mais um custo.

“Tanto lutamos pela qualidade de vida e esta sai ofuscada”, afirma o presidente da junta. A população lançou um abaixo assinado ao qual a PT, responsável pelos serviços na área, não
respondeu. “A PT acha que as zonas de Trás-os-Montes não contribuem para a faturação, daí estarem-se a ‘borrifar’ para a localidade”, comenta. Enviaram, também, há pouco tempo,
um pedido de ajuda para a Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), também ainda sem resposta.

Moisés Pêra Esteves diz que o serviço parece ter piorado. Agora, a população espera pelo parecer da ANACOM. “Tem-se feito tanto para fixar os jovens e temos este senão que é patético”, comenta.

Jovens são os que mais se queixam

Também de Trás-os Montes é proveniente Marta Lago, uma estudante que, como tantos outros, divide o seu tempo entre Mirandela e a cidade onde estuda. No seu caso é o Porto, onde há “Internet normal”. Na sua terra natal, fazer downloads de ficheiros ou “jogar um simples
jogo” causa aborrecimento pela lentidão da ligação. No entanto, a estudante diz que tal facto não tem afetado os seus estudos.

Já os gastos adicionais são inevitáveis, pois tem que “ter Internet ligada ao telefone” e “os tarifários são mais caros”. Tudo para uma ligação que não é “boa”. Marta Lago diz também
que “não há garantias que a cobertura por cabo chegue” à sua zona, “quando no Porto já é
fibra”.

Nelson Fraga já foi um dos muitos alunos que estudava no continente e que sentia a diferença no acesso ao voltar de férias. Na altura não era muito significativo, pois esses períodos eram dedicados a estar com a família mas, ao voltar definitivamente, o choque foi grande. “Sempre que, por algum motivo pessoal ou profissional, vamos a outra ilha, notamos uma diferença brutal no acesso”, comenta.

O jovem diz que lidar com o problema “no dia a dia” torna-se um verdadeiro “pesadelo”. E que são precisamente essas pessoas, que estudam fora, as maiores impulsionadoras da contestação, pois conhecem uma realidade diferente.

DECO aconselha reclamações

Liliana Melo, jurista na Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO), explica
ao JPN que a associacão recebe “algumas reclamações”, sobretudo “por pessoas que são
informadas pelas operadoras que têm cobertura na área de residência delas e isso não
acontece”. No entanto, o número é residual, “não é uma queixa muito frequente”.

A DECO não possui informação sobre as zonas mais afetadas mas reitera que, mesmo no meio de centros urbanos, há áreas sem cobertura. A jurista explica como se deve reclamar – isto no caso de constar no contrato de fornecimento de Internet que há cobertura em determinado local, assim como o papel da ANACOM nesta questão, que tanto afeta as populações.

Seja para trabalhar e gerir negócios ou para momentos de lazer a ver vídeos no Youtube, perfis de Facebook ou descobrir novos memes, o acesso à Internet chega a ser considerado um direito humano pela Internet Rights & Principles Coalition.