Em maio de 2008 nasce a Linha de Apoio a Pais e Vítimas de Bullying (808 968 888), sob a alçada de Ana Paula Granjo, da Associação Nacional de Professores (ANP). Recebiam chamadas recorrentes de professores que não sabiam lidar com este tipo de situações e não sabiam como ajudar. A funcionar duas horas por dia (das 18h00 às 20h00), todos os dias, recebeu cerca de seis chamadas em apenas um mês, de jovens com idades entre os 11 e os 21 anos. Só funcionou durante seis meses, não por falta de chamadas mas pelo surgimento de outras linhas de apoio e formas de ajuda às crianças e jovens.

“A nossa intenção foi mais a de divulgar este fenómenos”, afirma Ana Paula. “Não deixámos, no entanto, de dar apoio. O apoio deixou de existir enquanto linha telefónica, mas existe sempre o telefone da associação, para onde as pessoas ainda continuam a ligar e, sempre que preciso, fazemos uma intervenção”, conta.

O bullying não é, de todo, uma situação nova e revela-se quase inevitável. “Vamos ter sempre crianças que vão tentar humilhar outras e crianças mais tímidas, que se deixam intimidar pelos mais crescidos ou mais fortes, faz parte das relações de convivência”, explica Ana Paula. Assim, este fenómeno gera grande preocupação entre pais e professores, já que uma situação sem acompanhamento pode não ter um desfecho feliz. O relatório da UNICEF Innocenti Card 7 (United Nations Children’s Fund, 2007) afirma que o bullying é um problema mundial que afeta, mensalmente, cerca de um terço das crianças.

Os primeiros estudos realizados em Portugal, em 1996, no 1º. e 2º. ciclo do ensino básico, apontaram para uma incidência de 21% no fenómeno. Já em 2009, um estudo da Universidade do Minho diz que 13,5% dos jovens do 3.º ciclo e secundário são vítimas de bullying, enquanto uma em cada duas vítimas não faz queixa. “Uma das características do bullying é o facto de as vítimas permanecerem em silêncio, ao contrário das outras vítimas de violência”, explica Ana Paula.

Gozar, humilhar, ofender ou insultar são só algumas das formas de agressão verbal registadas

Durante o período em que esteve ativa, diz o relatório, 80% das crianças e jovens que recorreram à linha de apoio eram do sexo masculino e maioritariamente para fazerem queixa de situações com mais do que um agressor: três, quatro e até mais do que seis empatam no primeiro lugar.

Do primeiro ano ao ensino superior, as situações reportadas foram transversais à idade, à geografia e ao tipo de ensino, tendo sido maioritariamente de origem verbal, desde “gozar”, a “humilhar”, “ofender” ou “insultar”. As agressões físicas foram maioritariamente empurrões e ferimentos. Do recreio às salas de aula ou aos corredores, todos os espaços pareceram passíveis de serem utilizados para agressões, sendo que nenhuma situação aconteceu fora do recinto escolar.

Em todas as situações, as agressões foram continuadas e aconteceram mais do que uma vez, tendo provocado nas vítimas frequentes sintomas psicológicos como tristeza, apatia, perda de apetite ou perturbações de sono, isolamento social, baixa do rendimento escolar e recusa em ir para a escola. No Porto foram dois os casos registados. A roupa, a orientação sexual, a postura retraída ou a aparência física são apenas algumas das razões que motivam os agressores.

Bullying homofóbico também é frequente

O bullying homofóbico é também cada vez mais notório. Mas nem só os gays, lésbicas ou bissexuais sofrem este tipo de ataques. Este flagelo afeta qualquer jovem que quebre estereótipos de género, mesmo que seja heterossexual.

A Rede Ex-aequo, uma associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes com idades compreendidas entre os 16 e os 30 anos, disponibiliza, na sua página, um formulário onde se pode denunciar casos de bullying, de modo a obter números deste fenómeno nas escolas portuguesas. Posteriormente, elaboram relatórios bianuais que enviam para o ministério da Educação. O mais recente, de 2009 a 2010, recolheu cerca de 100 testemunhos.

“Entrei numa enorme depressão porque alguém se lembrou de escrever na porta de uma casa de banho “Lésbicas do ******”, com o nome de duas colegas minhas que namoravam, o meu, e o de uma amiga minha só porque estávamos sempre juntas”, diz Joana (nome fictício), de 17 anos.

Segundo o estudo “Bullying Homofóbico nas Escolas em Portugal” (2010), que levaram a cabo em parceria com o ISCTE-IUL, 42% da juventude lésbica, gay ou bissexual afirma ter sido vítima de bullying homofóbico, enquanto 85% dos jovens diz já ter ouvido comentários homofóbicos na sua escola. Apesar da legislação existente, menos de um sexto (15%) das situações culmina com algum tipo de repreensão à pessoa agressora.

Mesmo com o fim da linha de apoio, é através destas iniciativas que é possível traçar um perfil da realidade portuguesa (mesmo que num período algo experimental e de amostra). A ANP, por sua vez, não deixou de combater este flagelo. “A associação agora é mais pró-ativa, trabalha muito ao nível da formação dos professores e na implementação de projetos nas escolas”, para ajudar a prevenir conflitos, indisciplina e violência. Até porque, como remata Ana Paula Granjo, “uma criança, quando é vitima de bullying sozinha, dificilmente consegue ultrapassar a situação sozinha”.