A corrente descrença nos partidos políticos levou a que cidadãos se juntassem e formassem
movimentos cívicos e apartidários. O conceito já está presente em alguns países e, de acordo
com Guya Accornero, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL), a Lega Nord, em Itália, “continua a definir-se como um movimento”, apesar de ter “passado anos no governo”.

Em Portugal, os movimentos de cidadãos podem concorrer a câmaras municipais e juntas de freguesia. Vila Nova de Gaia é exemplo de localidade em que as pessoas se juntaram num movimento cívico. O Movimento de Cidadãos por Gaia (MCG) tem como objetivo ajudar os gaienses de diferentes formas, prestando auxílio em funções diversas como o preenchimento do IRS ou organização de conferências acerca de temas do interesse da população da cidade.

O presidente do MCG revela que a reação das pessoas face ao movimento cívico tem sido variada. “Com a população há de tudo um pouco”, diz o presidente, que alinha as reações em três grupos: há “os que acreditam” na necessidade destes movimentos, existem aqueles que “não compreendem” para que servem estes movimentos cívicos e outros “em menor número”, cuja opinião é de que estes movimentos “só querem chegar ao poder”.

Coruche, no distrito de Santarém, tem o seu próprio movimento de cidadãos. Na vila, o impacto do movimento foi positivo sendo que, de acordo com o líder do Movimento Independente de Cidadãos por Coruche (MIC), Abel Matos Santos, já é a terceira força política de Coruche, com 10% dos votos. O presidente do MIC justifica este fenómeno com a descrença da população nos partidos. “As pessoas estão fartas das máquinas partidárias e fartas das negociatas e da corrupção que por aí se tem desenvolvido”, diz.

Abel Matos Santos não acredita na proliferação destes movimentos a nível nacional. O dirigente do MIC acusa os partidos de se terem “assustado” e “mudado a lei eleitoral”, com o intuito de não permitirem que estes movimentos lhes façam concorrência. Sendo assim, estes movimentos ficam sujeitos “às mesmas obrigações junto da Entidade das Contas do Tribunal constitucional”, aplicando coimas “devido ao não cumprimento dos exigentes e burocráticos requisitos que exige o ofício político”.

Guya Accornero também não acredita no sucesso deste tipo de movimentos sociais a níveis legislativos e presidenciais, mas é possível que tenham “um bom número de deputados”. Por outro lado, considera a investigadora do ISCTE-IUL, “com a institucionalização já não podemos falar de um movimento”. Abel Matos Santos aponta duras críticas ao sistema, apelidando-o de “ditadura” e alegando que “os partidos não querem perder a sua hegemonia”

Investigadora aponta para os riscos de “mais sociedade e menos estado”

O sucesso dos movimentos cívicos apartidários pode, segundo Guya Accornero trazer consequências imprevisíveis. Segundo a própria, é necessário “ter cuidado” porque “mais sociedade significa menos Estado”. Além do mais, a investigadora chama a atenção para o facto de a “sociedade civil pode ser influenciada por toda uma série de interesses”, sendo que isso pode comprometer a sua neutralidade e procura pelo “bem comum”.

Por seu lado, os partidos já desenvolveram estratégias para captar as massas que procuram um maior envolvimento da sociedade na política. Um dos exemplos vem do Reino Unido, sendo que o conservador David Cameron ganhou as eleições apelando à big society. No plano nacional, existe o caso do PSD, com o projeto “Mais Sociedade“, que ganhou relevo nas passadas eleições. Também à esquerda, o discurso de apelo à sociedade ganha força. De acordo com Guya Accornero, foi criado um manifesto que apela a um “sujeito político novo“. Assim se dá a tentativa dos partidos neutralizarem estes movimentos, com o objetivo de não serem destítuidos e perderem o lugar para movimentos apartidários.